sábado, 24 de maio de 2008

O rítmo do ouro

Tudo canta, tudo gira no rítmo do ouro
Sua feroz cantiga material, e que engrenagens!
O mundo vibra escravo do metal louro
Não há livre nem beco nem paragens.

Ao pobre o açoite com cruel desdouro
Ao rico todos os gozos e estiagens
Rei da esfera, senhor dos destinos, teu agouro
Doma os amores, as razões e as carnagens.

O teu flagelo impinges ao mundo inteiro
Papel estúpido, sem alma e sem sangue,
Mas sobre os seres vivazes deus altaneiro

Traz-me uma bela de grato abrigo e langue
E sobre a pira ao gozo consagrada prepara
O prazer afeito a muitos, onde a dor desmaia.


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O albergue

Esse é o paraíso por muitos visitado
Matreiro e terrestre, albergue de face cara
Ao vivedor, que entre procelas e descasos
Deve continuar na trilha de existir.

Beleza suave, corpo de estátua ágil
Oferecida no verão ao gozo material
Musa do poeta, consolo gracioso, frágil
Não és, senão no volúvel voar de pluma.

O homem, ser luxurioso, despreza a dócil
Paixão do teu olhar, e o que mais procura
Em ti é a carne flébil, soluçante, adocicada.

Umas de volúpia, outras de amor, outras
De ternura, e outras mais amigas festivas
Caprichosas ao extremo, por vezes furtivas.

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A vítima e o chacal

Que consolo basta ao pranto aturdido
Do eu injustiçado? Poesia, esperança de amor,
Soem em meu sangue o fio incendido
Que comova os astros e os ponha a meu favor.

O tempo é um corcel cujo trotar indefinido
Esconde as perfídias do ódio, o verso-louvor
Da emoção acessa; labirinto dos sentidos
Leque de cavalgada azul e multicor.

Hoje a vítima e o chacal, o menestrel
E o silêncio da tumba, onde ecoou outrora
Uma canção de amor, clara, límpida, canora

E que continua vibrando no ar, no mundo
Sua expressão de bondade e enternecido mel
Além do monstro e do ódio de apelo imundo.



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O turbilhão

É doce ouvir, enquanto a noite estua
O festivo burbur que nos evoca na rua:
Este é o turbilhão, em cujo prazer aceso
Mais de uma vez voou o poeta preso.

É o mundo que gira e à volúpia convida
Em cujo ergástulo gentil o amante tem guarida
E a dor encontra o bálsamo, sutil e lento
Que entretém de loucura o tardo pensamento.

Bastardo ou Lorde, Barão ou mendigo
Todos comem deste pão, vivem deste trigo
Sorriso ébrio por Vênus levado a sério...

Apossa-te, oh luz, das bocas do hemisfério:
Vibras na carne e transbordas na alma
Estuas de volúpico veneno, amas na calma.

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Louca ânsia

Sombras da paixão, mesclas de fantasia
E carnais vitrines, que o momento erradia
A minha louca ânsia, compassada e irradia
Por vós arde de esperança e de dor sombria.

Musa do verão, oferecendo a forma esguia
Ao macho da vez, provedor e que anseia
Predar-te, mas nunca mimar-te; o dia
É uma taça ou bandeja; ardente ou fria.

Parque de carnal luxúria, altiva estátua,
Amiga do vivedor e predadora discreta
Inspira o amor na lira do poeta

Sobre ti passa a multidão da rua
E nua adormeces na estufa morena
Albergue de sensações, trigueira e terrena.


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O desejo de poder



O desejo de poder é oriundo do anseio
De realizar todos os sonhos: voar ao capricho
Das auroras da esperança tornadas reais...
De nada em si valem o mando ou o ouro
Senão como haver; o orgulho quer reinar
Soberanas asas tronos onde nos abane, opulentos
O gozo grácil de viver, muito valemos para nós mesmos,
E o outro nada vale, é algo
Incerto, disforme, a ser dominado;
isso quando somos apenas indiferentes, senão quando se odeia
Um inimigo seja ele quem for: um monstro ou
Uma inocente criança: arroja-se e galopa
A vingança, sempre atrás, para o ódio não existe
O inocente, somos todos culpados, herdam-se as culpas.


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O vôo sobre o caos



Crê no doce amor e na paz tranqüila
Tece tua voz e canta o vasto universo
A messe sorri, esplêndida, à luz do verso
Enquanto a beleza sua alvorada destila.

Foge do pranto, muro de baixa argila
E na alegria triunfa, em paz emerso
Te oferece a ocasião o céu submerso
No olhar; a perfídia da atroz sibila

Não te tolha a esperança do amor, manifesto
Na carne, a escoar de era sobre era
Nas harmonias imortais, renovadas, da esfera

Não é pouca ventura livre de cabresto
Ter canora voz e voar sobre o caos
Do mundo vil dos sentimentos maus.


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Divino rito


Interlúnio de paz, albergue da calada
Harmonia, rosa ao capricho do infinito,
Paz de luas e de auroras constelada
Sobre o descanso do amor, divino rito.

Quão grato és a alma outrora devotada
No gume atroz do desespero aflito
Bálsamo do peregrino na invernada
Prece de luz entre ecos e labirinto.

A vida, que quer dar-nos nosso ideal
E traça obscura leis, régias aos passos
E oferece o pranto, a lágrima, o fanal

Canta em teu consolo idílicos abraços
Do amor sem conta que guia o universo
E ao poeta inspira a alta luz do verso.


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Voava a bela

Voava a bela em seu traje aceso
Toda escândalo, a propor algum delito
Como despetalado pedaço de infinito
Rosa louca de que amor não é ileso.

O amor era uma águia louca de desejo
Sobre as formas ondulantes de granito
E o desejo um trotar de morte, aflito
Ante a espera colossal do licor-beijo.

Voava a bela... e em tamanho esplendor
A utopia via o raro afresco do amor
Como carnal eco em celestiais portentos

Se no seu vôo subjugava os elementos
Di-lo antes a carne de desejo, que evoca
A densa morte sobre o cais que a convoca.


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Tempo de colher


E virá o tempo de colher a ousadia
Tempo de amadurecer ante o oposto segredo
Ganhar em carícias o que reflete em medo
E renovar o voto de fé, o gosto da erradia

Aventura, a esperança mais além da ardentia
A voz da carne humilde e seu degredo
No vale material, no pranto e no folguedo;
Busca de felicidade egoísta, luz fria.

Na experiência dorme o clarão da pureza
E acorda o eco do mundo em nossa carne
Convulsivo canto, a exultar sua moleza

Rendem-se os anjos ao delito da beleza
Exaure-se a terra ao pugilato por bocados
E os sonhos inauditos constelados.


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Verdiana harmonia

Sem oferecer o alto amor, celeste entre asas,
Mas antes na lei prazer, feroz material,
Ela evoca o beijo e joga oca moral
Alheia à harmonia verdiana das esferas.

Será sempre convívio e floração de feras
Do desejo, banquete idílico e carnal
Que retrata o mundo debuchado ao natural
E aproximação de sonhos, hinos e panteras.

E não se exaure o movimento apetecido
Do momento a voar em asas de deleite
Sobre o caos do abismo, mar obscurecido

Até que a aurora lunar da paixão cante
Entre os escolhos da vida consolo enchamescido
E para sempre na carne gravado e tecido.


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A arca aberta


Contempla o mundo a tua frente, arca aberta
É tua aspiração nas noites docementes segredada,
Não há sonho que não cante na alvorada,
É vasta a luz e a voz do azul sempre oferta.

Se a águia ousar, colherá vasta manhã!...
Esguio é o ouro, mas rica é a natureza
Do desejo: o olhar propõe o que a carne
Pensa, à emoção quase sempre propensa.

São albergue de doçura os afagos da Castelã
É brado de gozo o de amor, e a volúpia
Esculpe dia a dia a carne das novatas.

Para festa e não para privação nascidos
Os filhos conhecem o mundano Arno da terra
Que ao ódio é pranto e arrepender-se de fera.


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As duras razões do não

Poupa a ti mesmo, as duras razões do não
O mundo lhe dirá, o mundo que propõe
Asas aceras ao desejo, às garras da paixão,
E um ritmo de águias e rapina a tudo impõe.

Altos medos de amar, histrionismo, religião
Todo salmo oco que adora a privação
O amor próprio mordido, o desespero, a fé
No mal, o psicólogo do absurdo, o caos até ;

Basta! Em tudo canta sonoramente o desejo
Há luxuosa volúpia, há amor, há paixão
Singram as gaivotas nas plagas da emoção...

Esculpe o verbo enchamescido em labirinto
Ecoa nos ouvidos a voz acesa do prazer
Nenhuma razão afaga o negro padecer.


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No labirinto

Denso punhal é o pranto, na terra
Um muro, e no muro um labirinto...
Consola-nos talvez, o ramo da alvorada
Esculpido no dorso desnudo da beleza.

Sem asas para o lirismo louco da lua
Geme o pranto, e quer torna-se deus:
Tu bebes, monstro de sombra, a sangue aceso
Que sagra o lírio sobre a adaga do caos.

Branca é a alva que esculpe a matinada,
Alberga o infinito, a face de amor
E o olhar do desejo sabe altivo propor

Mas na treva sangra a adaga da desgraça
O cego crê em outra lei, que diz seu não
À gulosa carne e à águia do coração.


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O albergue do prazer

Lânguida volúpia, albergue do paraíso
É a carne que canta e ecoa sons de prazer
Afaga o mísero, cujo único poder
É a gala do afeto, a floração do riso.

Amar e ser amado é essencial, é preciso
Além do pão sagrar o vinho, e refazer
A cada momento o hino de lazer
Para coroar o destino do triste narciso.

Enquanto impérios goza o ente rico
Sobre o dorso agitado do agora aceso
Tece a beleza o manjar do namorico

Sobre as asas do desejo, bufão teso
E a farta oferta de esplendores em flor
Expande ao mundo o lírico licor.


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O verão das musas


Goza o verão das musas, ainda é dia
De juventude: exaure o horizonte possível!
A morte guarda seu labirinto terrível;
Esculpe um intermezzo em galas de folia.

Pobre poeta, é um tesouro a ardentia
Da adoração da beleza, que em meigo nível
Confraterniza os seres na veia sempre acessível
Da carne audaz... Foge à dor sombria

Do caos do instante, cinza sob a asa
Da rubra paixão que o sentimento abrasa
E ilumina o firmamento em flores

Nesta balbúrdia voluptuosa, busca, encontro
Eleva teu fino rumo ao lírico outro
Prepara o Gran Finale à luz desses amores.


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A refrega


Oh dor que amarga a impotência absurda!
Luta o mortal pelo gozo do raro sonho
Seu ideal é fanal, tanta vez tardo,
Sobre a refrega renhida da terra rica

Se nesses mais de um reino há na parada:
Para uns o amor, a forjar um paraíso
Para outros o ouro, pleno condor de asas
Nunca nos falte a paz e o encanto da natureza!

Conquista o espírito o sábio, é preciso
Escolher talvez, ou ouro ou pousada
Ou cristal de amor circundado de paz

Ou guerra material, talvez... E na invernada
Dure o que durar a chama da paixão
Unida ao gládio atroz da babante cobiça.


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O triunfo do metal


Na esfera onde triunfa o metal louro
Vil espírito fecha boca, olhos e ouvidos
Ao brado altíssono do espírito: de nada
Vale então se amas ou odeias, se és nobre
Ou vil, coxo ou altaneiro: lá compra-se
Uma alma, duzentos almas... À voz do mando
Atas-te em corrente, não és cabeça pensante
Mas burro braço que executa, e assim
Entre hierarquias e leis, gira o mundo
Lá onde triunfas, ouro, pervertedor atroz
Das celestes harmonias... Outro é o reino
Da beleza, onde apraz viver, apraz gozar.
Lá importa se vais amar ou odiar
Se teu coração é nobre ou enfermo.
Mas, como evocar o império do ideal
Onde toda alma encontra o frio animal
E a sua fome atroz nunca é apetecida.
Fechado em si mesmo, no élan do egoísmo
Procura uma potência que os sonhos seus perfaça
Mas pensa em si somente: estes entes desconjuntos
Desejando em uníssono um reino material
Nem suspeitam a messe universal ofertada a todos.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Morna suspira a brisa


Morna suspira a brisa nesses outeiros
Vem trazer ao doce descansar promessas
Entrelaçadas ao suspiro cântico das lembranças
Fervorosas outrora, hoje esvaecidas em vago gozo.

Mas além aguardamos gráceis flores murmurosas
O vento as comove e as pétalas inspiram encantos
Até, ao rumor ancestral da cachoeira
Podeis entrelaçar-vos aos primitivos ritos

O sol e a lua relogiam os tempos propícios
Nestes seios de verdor caminhos não se negam
Quais bocas de amor em corações de mulher
São sempre propícios aos apaixonados encantos
E aos cantos que a efusão esculpe nos mundos

Após nessa espessura dormirás grato ou pasmo
Apaziguado das volúpias ou das liras
Ungido da parte que a ti escolheste
Que a lama te reserva e te oferece a terra.

O pequeno mundo dos homens aos céus naturais
De pouco em pouco a espaços se assemelha
Moram em seu seio insânias, vinganças e perfídias,
Pequenas ou grandes, de cegos rancores geradas
Que em nada cabem dos campos no sublime poema.

A natureza do ideal supremo pobre emblema
Ensina aos entes amores que nela sabem ler
Em sua perfeição a solução do humano problema
E os insuperáveis idílios do esculpido prazer.

11/06/2001


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O Império Amoroso


Tenho os olhos constelados de visões noturnas
Mulheres sem véus de lábios entreabertos
Onde estão aqueles céus cheios de aroma
Aqueles beijos que são de fogo uma redoma
E os mansos rios dos desejos mais secretos

Quando a noite, alcoviteira do infinito,
Com fresco luar nos adocica a carne
Morno silêncio traz consigo o charme
A vertigem abissal rompe as prisões
O êxtase desenha multicores revelações

Então o universo toma conta de quem ama
Sua pousada, é qual um berço dileto,
Galgam os corcéis da paixão o infinito
A exaustão dá paz ao espírito inquieto
Quando desses ardores domestico a melhor chama

Acontece ao mundo transcender a própria imagem
O oculto bem revelado promove a esperança
A hora abraça o bem e se balança
Nos carinhos lindo, a beira da viagem,
Serenidade de adulto em sorriso de criança.

Nasce a inefável flor, entre segredos
Do mundo o guia e da terra o alento
Move a fortuna e o destino negocia:
Ou a ventura ou penar do firmamento.
- Vamos, oh bela! A ocasião sempre é propicia.



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Álacre canta o coração


Álacre canta o coração pelos trigais
Rejubila livre a colher a messe
Da carne desperta em, vôos sensuais
Ao som da viração que amante amanhece

Ensolarados espaços ébrios de glória
Douram a pele desnuda dos faróis
Onde o desejo esculpe a sua história
Êxtase a florir sutis anzóis

Os ventos da paixão que afloram luas
A carnal ânsia devota às aventuras
Forja entusiasmo de volúpias nuas
Nas liberalidades tesas das loucuras

A orda dos sensuais unidos em delitos
Esparge um gemido no mundo vão:
Gozemos generosos neste mar de ritos
Servos do momento em giros de emoção.

Vênus ama os cantos plenos de beleza
Sagrando o altar das suntuosas curvas
E une o êxtase do tempo à correnteza
No tonel amoroso das jubilosas uvas.


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Os corcéis


Vem, amor, abandonemos a quimera,
Voemos nas asas de safira da canção
Que anoitece em nós o céu com viração
De riqueza sedutora e face bela.

Por ti o meu corcel se desatrela,
Por mim galopa já teu coração,
O pegaso é o heróico da emoção
Do remanso apaixonado és a estrela.

Desvelos nas graças com sedução,
E além, transfigurando o hábil gesto,
Torrentes enlaçadas no infinito da paixão!

Mas adiante sobre o enleio manifesto
Rio ébrio na celeste fluição
Do êxtase que propõe a imensidão.



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Soa suave agreste...



Soa suave agreste lira, os zéfiros
Benfazejos anunciam o verão dos anos
Revejo os passos que andei em danos
O futuro, arca virgem, mil gozos promete
O universal desejo o almeja e prenuncia

Vibre e cante em cor a jornada macia
Não punhal chacal espesso de interesseiros
Anseios turvos, clamor de poder e posses
Monstro cobiçoso a degolar a faina
Umbrosa, de sombras densas e caricia

Vibre com a pompa plena e sinuosa
Da carne em enlace de cedas fluidas
Cante o glorioso sol, lírio de formosura
Esculpindo o alto verão em lírico arroubo
Pela quadra desejosa tesa de harmonia

Langorosa desfile a estação dos beijos
Pela praia desnudante, ébria e amorosa
A boca rica de afagos, no olhar lagos
Solto o cabelo, doce a anca erradia
Vida de flor breve no instante infindo

Nascemos para gozar; a emoção secreta
Oculta em nosso seio o diz e incita
O par anseio dança de nobre astro imita
A forma tem do latente céu sagrado veio
E é pelo prazer que a esfera soluça e palpita

Nervoso, vivo, corre o sangue do azul em meio
E enquanto os astros sublimes segredam
Leis eternais no perene e altivo curso
Entre aromas e alfombras o vivedor augusto
Entreabre em gozo os lábios sem susto

A cega e torpe norma que de nós exige
Suados trabalhos, vasto suor em ondas
Tirando promove usurpadoras rondas
O escravo amarga dor em desesperos sorve
Enquanto bonança de gozo ao bem promove

Gozemos do verão o suave influxo
Baile a carne em perpétuo clarim festivo
Cante desnuda a forma em brando convívio
E o coração de um grato êxtase cativo
A unção das doces musas se ofereça.


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Longos dias


Longos dias constelados de sonhos
Vinhos e carnes em êxtases risonhos
Vagam vagas arcas leves, diluídas
No albor do sol em horas entretidas
Em louro desnudar da solitária vila
Cujo tédio expõe a maré tranqüila

Frustração de caracol fere o seio
Nubla o vasto vôo do anseio
A tênue dor dos pássaros irreais
Aporta aqui abortos de carnavais

Uma chama longínqua arde nos
Corpos livres em fulgores nus
Onde a beleza canta seus palácios
E os momentos aquilatando ócios
De prazeres ideais florescem dados
Aos passageiros vivedores deliciados.

E para pequena desgraça sensual
Flameja o sonho em pouso ideal
Onde distantes singram desejos e aves
Enquanto o lance me lacera de entraves

As tardes vagas quais urnas vazias
Encerram desertos de plagas frias
E acasos de não ter o que fazer
Cozinham de tédio os ritmos do ser



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Dorme o pastor


Dorme o pastor as horas esquecidas
O sangue do sol côa entre verdes ramas
Melancolia em luz que o verão derramas
E doce penumbra das águas entretidas
E sons manados, suave eco de aromas
Dorme o pastor nas horas esquecidas.

A natureza harpeja cânticos solenes
No majestoso ar imortal de leite
O suspiro das tardes colore de azeite
O solo, desde o pássaro aos vermes
O rito augusto da criação e, deleite:
A natureza harpeja cânticos solenes:

Ramas ao saudoso peito se entrelaçam
As virações sussuram acordes nas asas
Dos vergéis em sonatas, sonhos de gazas,
Sintonias de harpa pelas folhas dançam
O coração do segredo junto as aves
Ramas ao saudoso peito se entrelaçam

Torpor de esferas semi-extintas, sonos
Que o luar mira em visões de Arno
O caracol dos ventos desatou seu canto
Sobre a perfeita conjunção do ouro
E o mármore lunar a evocar a sombra
Torpor de esferas semi-extintas, sonos

O rebanho das constelações veste seu adorno
A égua sonoriza de patas os cascalhos
Infinitamente a terra tece as safiras e rubis
Das formas o verão cota seu contorno
O rebanho das constelações veste seu adorno.

A noite desce o albergue do segredo morno
Saltam os djins das adormecidas pupilas
Seu mármore de sonhos traz altar aos jardins
O tempo se amansa nas serenas maravilhas
A treva afaga os cristais das ancas tranqüilas
A noite desce o albergue do segredo morno.



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Próximo Ano-Perpétuo Mistério


Êxtase Sereno


Carne, minha vida perdida se achará
Noutra carne, e haja amor.
Não tenho palavras. Não quero tê-las. Estou mudo.
Para este céu, para a beleza de cada significado
Desvelar-se e encantar esta canção.
Silencio significativo onde habita ternura.
Como é raro
Deixar fluir através de si o universo.
Como é fácil:
No momento em que nos permitimos a revelação
Tudo é resplendor de clarins de aurora ou pétalas.

Quando no mais elevado eu me encontro
Tudo é possível, tudo é alcançável,
O mundo que inacessível se aparentara
Eis como agora é tangível pela mão
Consorciada aos assomos plenos do coração,
Como a tarde imensa naufraga em golfos de paz
E o desejável mundo no leve humor se apraz

Ai! Se uma força minha, universal e misteriosa
Ao parque dessa ventura de ser me atasse
Revelando nesse paraíso instantes sempre novos
Na transfiguração do êxtase sereno
Mas eis que, após o céu terreno desço
Ao banal mundo de minha luta humana
E tudo o que há pouco me era revelado
E tanto que em meu foco de luz vibrava:
O espírito em infinito, o sublime contentamento,
Eis que é fugaz – martírio do ideal!
Com esforço é mal conquistado
O que por século de agoras me fora dado.


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Brinde do Esquecimento


Um Letes denso e fundo como minha mágoa
Regando os vales do alegre esquecimento.
Nenhuma recordação! Das dores a macabra adaga
Quis matar do momento o amplo contentamento.

Do passado infernal na breve jornada isento
Cante, viaje e encante a alegria venturosa
Primavera ampla de amor donde pende a rosa
Como um pleno tesouro sem laivos e tormento.

O pranto sufoca a luz dentro do peito
Bruma sulfúrea, o azul do coração roe lento
Existe entanto um céu de envolvido alento
Na alma que chove o passado estreito.

Glauca afeição que nódoa desconhece
Onde o espaço em viração infinda
Se descortina pelas praias da memória
Compõe a paisagem com a maré linda.

Queres ver o horizonte envolto em altos sóis!
Ilude o pranto, a dor, a mágoa rancorosa.
Bem tens tesouros de lembranças por faróis.
Veleja e crê na ampla maré do amor!

Em vão chamo a ausência desses cardos?
Essas cicatrizes tem o teor de feridas. Esquece
E a dor volta; esquece, reasumo o pranto;
A morte das horas renasce-esquecer, quem, esquece?

O sono cai sobre o passado como um oásis.


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Rosa da tarde


Nos ecos da tarde esquecida
Desligamento de agora
Comprometimento de amor

Sobe o aroma da luz
Reposteiros de segredo
Ou esperam ao sol posto

O amor não tem desgosto
Quando na tarde esquecida
Eterniza a flor de uma vida.

29/08/1999



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O Pacto Dual


O homem faz o pacto com céu e inferno
Na esperança sôfrega de tudo abraçar
Da base ao cume do espiral eterno
Entre os extremos sempre a vacilar

O mal inevitável aos poucos o tempera
O bem irresistível em assaltos o embalsama
Uma moeda suja o turba quando onera
E um valor sem preço o banha quando ama

Satã e os anjos a alma incerta lhe disputam
Cada força tem nele demarcado território
Quais temporal e calmaria o exultam
Equilibrista manco, hábil, aplaudido e inglório

Ébrio do caos ou lúcido de infinito
Primavera de amor ou pranto que neva
O curso perpétuo do inexorável rio secreto
Ao seu capricho o afeiçoa e leva

Entanto se desperta tem nas mãos o leme audaz
Do espírito e sentidos caem aduladores véus
Dizem que então escarnece de Satanás....
Dizem que veste então a luz dos céus...


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Fumo de quimera



Fumo de quimera
Esvais dos olhos meus
Para que em todo fulgor resplandeça
A recôndita e sagrada centelha
Chama da vida

Assim, sem pensamentos enganosos
Que os horizontes toldam,
Nem julgamentos falidos
Antes mesmo de pronunciados,
Sem medos fantasmas e não tolos,
Vivamos a breve flor do instante
Que tesouros emana
Em sua secreta potência.

Eu quero viver e tu queres viver
Sejamos, pois, afáveis, graciosos,
Vivos! Humanamente comovidos e vivos
Com todas as carícias e humanidade
Oferecendo à graça irmanada
Da nossa enternecida
Sempre a mais bela prenda
O mais alto valor
De nosso amor

A todos é dado o dom da vida
Basta ter olhos límpidos e claros
E confessar-se bem ciente o afã
E professar-se sem maldade o hino

Ricamente dotada de conforto
A vida é a redenção do torvo
E a remuneração do ardente e belo
Pulsar vivaz da alma generosa
Na benção da sua grata confraternização.

05/09/1999



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A Batalha Oculta


Para abrandar-me a cólera feroz
O hino extenso inexplicável da beleza,
O mínimo gesto e as coisas sem voz
Cristais nus de amor e profundeza

Esse téte-a-téte imenso que convive
Dois seres numa carne convergidos,
A luz pura que nos campos vive
E a flora segredada dos sentidos.

Sangue e ar libados em êxtase,
Palavra e silêncio, prodígios de amor,
A essência humana, a múltipla linguagem,
E o mistério ideal manifesto na flor.

Carícias em virgem triunfo de alvorada,
Ritmos sabedores, ébrios e dissolutos,
Tal no Te Deum a floração sagrada
E nas bocas mudanças gorjeios astutos.

Tudo, oh Deus! Oh humanidade em delíquio!
Tudo que extinga o bobo fratricida
Que abisma de adagas precioso colóquio
Mordendo em asco a fonte da vida.

O suave encanto suplante o monstro atroz
E o amor se adube da carcaça informe.
Pela noite transfigurada oculta voz
Sussurra o segredo redentor ao homem.

11/09/1999



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Duas Instâncias Universais

I.


Feroz é o mundo de uivantes garras
Feroz é o mortal e inclemente seu desejo
Apazigua a contenda atroz a rosa do beijo
Mas a beleza sem voz tece suas amarras

No caminho do ente egoísta sempre há escolhos
Pouco ouro, muito ouro, inércia ou ação
Inferno miserável ou doce remanso da canção
Tudo verte dor ante os viciados olhos

O coração puro e o espírito em nobre paz
Eis o relicário que conduz a felicidade
Que borda divã de gozo e de amenidade
E gera amor e abranda o lobo voraz

Mas o mortal quer o ouro, o poder, quer reinar!
Em nome do trono impõe correntes, potestades
Que a todos tem escravos: são as humanidades
Escravas do sistema e vítimas do penar.

Não aprende o juiz e não endireita o réu,
Pasmaceira universal, todos querem se alegrar
Uns na mansão do ostentar, outros a hora a divagar,
Entre um vinho escasso e um pão sem céu.

Mas salva-nos, mantêm-nos a exata medida
Do pouco amor em que voamos em asas
Ele mantém o espírito lúcido entre as brasas
Da luxúria, e os escolhos da terra aguerrida.

Esse amor pelos nossos, dom entre todos grato
Em meio ao gume do ouro e a espuma do suplício
Que cante em tavernas a loucura e o vício.
E afague eloqüente o zelo ao maldito fato.

O homem navega, o oceano é risonho e atroz
Sucedem-se as vagas colorindo o vasto tropel
O pranto é um beco e a alvorada é o mel
Que escorre do mundo qual bandeira sem voz.

Sente o eco da alvorada no coração amante
E bebe o teu cálix de luz e mel de aromas
Ama a tarde, afaga a noite cujas redomas
Ousam anestesiar a cruz do horizonte.



II.

Cavalga ousado...


Cavalga ousado os corcéis da aurora!
Bebe o licor da orgia ou ama deveras
Se os mortais não podem senão ser feras
Doma a coxa de mel, o gozo das horas!

Que a bondade seja teu soberano escudo
Mais que o ouro e o poder, ganha a bondade
O felicíssimo conforto que anseia a humanidade
E o grande amor velado que fecunda tudo.

Clama o capitão do amor: Avante! até
Onde nos leve o mar no cais da loucura,
A alma quer luz, a impossibilidade é escura,
E o amor é porto e mar, é onda e é maré.

Avança pelo azul! Singra a rima cadente!
O espaço é amplo, o templo belo, o amor um hino...
Mas oh! Obscura esfera incerta do destino
Que o mortal odeie, cobiçoso e indecente.

Que em meio ao mar haja o escolho, que
Em meio do êxtase haja a convulsão, e até
No melhor um cisco do pior se encontre, é
De pasmar de dor e inquirir o atroz porquê.

Para a felicidade gerado do amor nascido,
O destino do mortal era a enormidade,
Mas quis o monstro cagar na enormidade
E o azul baldar em grades e fatal ouvido.


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A busca incessante...

A busca incessante pelo gozo carnal
Na brevidade da juventude e da vida
E sempre o ouro a traficar a beleza
Vende-se ao interesse a musa, o prazer
Sedicia meio mundo, e o amor cuja voz
Celeste compõe a melhor parte do mortal.

Prateia suavemente a solidão entre verdes
Remansos, abranda-se o desejo mais urgente
Sucede o tempo de paz ao gozo inclemente.
Quanto são egoístas as pessoas, ante o pão
Da vida, feito melhor se dividido, e contendo
Quanta desigualdade de asas e quão vasto
O sonho...alguns, feito humildes até na esperança
Lutam ferozmente pela posse do mínimo:
São os desvalidos; outros voam vastamente e
Nada lhes basta, ficam estupefatos ao ouvir
O não; muitos deles se tornam no fim ditadores
Ou carrascos, e poucos se lembram de serem felizes.

Lembrar-te de ser feliz, imperador
Ou mendigo! Constrói para ti fora da luta
Um doce remanso ao som de sonorosas aves.


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O vale da quimera

Oh mundo, que és o vale da quimera!
Quantos cegos obtusos lutam em confusão
Gládio atroz, que alicia e vitupera,
Enquanto inculto dorme o divino coração.

Das paixões o tropel insano e extenso
Refletem o egoísmo mudo, impassível,
O docel do amor estende a mão, suspenso
Em vão, no arcano de uma vaidade sensível.

De um trono a espera pena o vivedor
Nem concebe que reino lhe seja grato amor
Sonha com palácios de ouro, com catedral
De poder, ao som do instinto ancestral.

Enquanto não evolui, apegado a matéria
Sobre o capricho dos corcéis da carne,
Não concebe do azul o alto carme
E a piada grotesca toma por anedota séria.

Aos seus afaga, à turba indiferente,
E ao inimigo opõe a cruel serpente,
Monstro feroz cujo ovante veneno
Precipita o gratuito inimigo no inferno.

Tudo escraviza: labor, ócio, pensamento....
Falho de razão, apoiado no sentimento
Essa selva ancilosa insulta o Prometheu,
E sonha a imensidade de voar no céu.

Se ergue asa e voa um tanto é devasso
Não segue a moral que férvido apregoa,
Depois da orgia, o látego do cansasso,
Anseia o mar singrar em êxtase a toa.

No horizonte de cego obscuro esbarra
Com as catedrais do amor talhadas em sossego
Não as penetra, e se tem um aconchego
Logo transmuta a serenidade em farra.

Sonha ser Deus... Oh basta! Do mundo
O enredo obtuso não quero desfiar.
Antes prefiro o insenso ante o altar
E o gozo da sensatez, em paz jucundo.

sábado, 17 de maio de 2008

A Tarde Morre

A tarde morre, agonizando,
O sol abandona os campos vistosos
No ocaso mergulhando
A imensa águia da vida
Suas asas cintilantes verga, e se dirige
Ao oriente meditador.

A falta de reflexão, somada à noite
Faz brotar agora de meu peito
A mais profunda treva,
Enquanto no místico oriente
Um dançarino espiritual dança
Ao som do mais celestial compasso.

A luz que tão longe se espalha!
Ah! Ela não sabe fingir a si mesma,
E não sabe tecer invenções
E loucos devaneios
Como a virgem incauta, o cálido poeta
E os amantes da dúvida.

Poema Reflexivo

Olha e vê como a vida viva
deriva aos poucos no eterno abismo
fundo e quieto da morte,
e vê, como tudo, a cada instante
mais que no outro cobiça
o brando repouso.
Mais do seu fim se aproxima
mais compreende a finalidade
da existência, esse ardor,
e mais ama
a água que acalma o fogo.

Lê o meu nome gravado nos astros
Chora comigo, ri também,
Não vá tocar-te o último suspiro da brisa
Não deixa soprar o derradeiro vento
a acariciar tua face, sem antes
ao menos teres vivido
essa pergunta que se responde,
mas nunca temos por respondida:
A vida!