sábado, 24 de maio de 2008

O rítmo do ouro

Tudo canta, tudo gira no rítmo do ouro
Sua feroz cantiga material, e que engrenagens!
O mundo vibra escravo do metal louro
Não há livre nem beco nem paragens.

Ao pobre o açoite com cruel desdouro
Ao rico todos os gozos e estiagens
Rei da esfera, senhor dos destinos, teu agouro
Doma os amores, as razões e as carnagens.

O teu flagelo impinges ao mundo inteiro
Papel estúpido, sem alma e sem sangue,
Mas sobre os seres vivazes deus altaneiro

Traz-me uma bela de grato abrigo e langue
E sobre a pira ao gozo consagrada prepara
O prazer afeito a muitos, onde a dor desmaia.


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O albergue

Esse é o paraíso por muitos visitado
Matreiro e terrestre, albergue de face cara
Ao vivedor, que entre procelas e descasos
Deve continuar na trilha de existir.

Beleza suave, corpo de estátua ágil
Oferecida no verão ao gozo material
Musa do poeta, consolo gracioso, frágil
Não és, senão no volúvel voar de pluma.

O homem, ser luxurioso, despreza a dócil
Paixão do teu olhar, e o que mais procura
Em ti é a carne flébil, soluçante, adocicada.

Umas de volúpia, outras de amor, outras
De ternura, e outras mais amigas festivas
Caprichosas ao extremo, por vezes furtivas.

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A vítima e o chacal

Que consolo basta ao pranto aturdido
Do eu injustiçado? Poesia, esperança de amor,
Soem em meu sangue o fio incendido
Que comova os astros e os ponha a meu favor.

O tempo é um corcel cujo trotar indefinido
Esconde as perfídias do ódio, o verso-louvor
Da emoção acessa; labirinto dos sentidos
Leque de cavalgada azul e multicor.

Hoje a vítima e o chacal, o menestrel
E o silêncio da tumba, onde ecoou outrora
Uma canção de amor, clara, límpida, canora

E que continua vibrando no ar, no mundo
Sua expressão de bondade e enternecido mel
Além do monstro e do ódio de apelo imundo.



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O turbilhão

É doce ouvir, enquanto a noite estua
O festivo burbur que nos evoca na rua:
Este é o turbilhão, em cujo prazer aceso
Mais de uma vez voou o poeta preso.

É o mundo que gira e à volúpia convida
Em cujo ergástulo gentil o amante tem guarida
E a dor encontra o bálsamo, sutil e lento
Que entretém de loucura o tardo pensamento.

Bastardo ou Lorde, Barão ou mendigo
Todos comem deste pão, vivem deste trigo
Sorriso ébrio por Vênus levado a sério...

Apossa-te, oh luz, das bocas do hemisfério:
Vibras na carne e transbordas na alma
Estuas de volúpico veneno, amas na calma.

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Louca ânsia

Sombras da paixão, mesclas de fantasia
E carnais vitrines, que o momento erradia
A minha louca ânsia, compassada e irradia
Por vós arde de esperança e de dor sombria.

Musa do verão, oferecendo a forma esguia
Ao macho da vez, provedor e que anseia
Predar-te, mas nunca mimar-te; o dia
É uma taça ou bandeja; ardente ou fria.

Parque de carnal luxúria, altiva estátua,
Amiga do vivedor e predadora discreta
Inspira o amor na lira do poeta

Sobre ti passa a multidão da rua
E nua adormeces na estufa morena
Albergue de sensações, trigueira e terrena.


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O desejo de poder



O desejo de poder é oriundo do anseio
De realizar todos os sonhos: voar ao capricho
Das auroras da esperança tornadas reais...
De nada em si valem o mando ou o ouro
Senão como haver; o orgulho quer reinar
Soberanas asas tronos onde nos abane, opulentos
O gozo grácil de viver, muito valemos para nós mesmos,
E o outro nada vale, é algo
Incerto, disforme, a ser dominado;
isso quando somos apenas indiferentes, senão quando se odeia
Um inimigo seja ele quem for: um monstro ou
Uma inocente criança: arroja-se e galopa
A vingança, sempre atrás, para o ódio não existe
O inocente, somos todos culpados, herdam-se as culpas.


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O vôo sobre o caos



Crê no doce amor e na paz tranqüila
Tece tua voz e canta o vasto universo
A messe sorri, esplêndida, à luz do verso
Enquanto a beleza sua alvorada destila.

Foge do pranto, muro de baixa argila
E na alegria triunfa, em paz emerso
Te oferece a ocasião o céu submerso
No olhar; a perfídia da atroz sibila

Não te tolha a esperança do amor, manifesto
Na carne, a escoar de era sobre era
Nas harmonias imortais, renovadas, da esfera

Não é pouca ventura livre de cabresto
Ter canora voz e voar sobre o caos
Do mundo vil dos sentimentos maus.


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Divino rito


Interlúnio de paz, albergue da calada
Harmonia, rosa ao capricho do infinito,
Paz de luas e de auroras constelada
Sobre o descanso do amor, divino rito.

Quão grato és a alma outrora devotada
No gume atroz do desespero aflito
Bálsamo do peregrino na invernada
Prece de luz entre ecos e labirinto.

A vida, que quer dar-nos nosso ideal
E traça obscura leis, régias aos passos
E oferece o pranto, a lágrima, o fanal

Canta em teu consolo idílicos abraços
Do amor sem conta que guia o universo
E ao poeta inspira a alta luz do verso.


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Voava a bela

Voava a bela em seu traje aceso
Toda escândalo, a propor algum delito
Como despetalado pedaço de infinito
Rosa louca de que amor não é ileso.

O amor era uma águia louca de desejo
Sobre as formas ondulantes de granito
E o desejo um trotar de morte, aflito
Ante a espera colossal do licor-beijo.

Voava a bela... e em tamanho esplendor
A utopia via o raro afresco do amor
Como carnal eco em celestiais portentos

Se no seu vôo subjugava os elementos
Di-lo antes a carne de desejo, que evoca
A densa morte sobre o cais que a convoca.


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Tempo de colher


E virá o tempo de colher a ousadia
Tempo de amadurecer ante o oposto segredo
Ganhar em carícias o que reflete em medo
E renovar o voto de fé, o gosto da erradia

Aventura, a esperança mais além da ardentia
A voz da carne humilde e seu degredo
No vale material, no pranto e no folguedo;
Busca de felicidade egoísta, luz fria.

Na experiência dorme o clarão da pureza
E acorda o eco do mundo em nossa carne
Convulsivo canto, a exultar sua moleza

Rendem-se os anjos ao delito da beleza
Exaure-se a terra ao pugilato por bocados
E os sonhos inauditos constelados.


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Verdiana harmonia

Sem oferecer o alto amor, celeste entre asas,
Mas antes na lei prazer, feroz material,
Ela evoca o beijo e joga oca moral
Alheia à harmonia verdiana das esferas.

Será sempre convívio e floração de feras
Do desejo, banquete idílico e carnal
Que retrata o mundo debuchado ao natural
E aproximação de sonhos, hinos e panteras.

E não se exaure o movimento apetecido
Do momento a voar em asas de deleite
Sobre o caos do abismo, mar obscurecido

Até que a aurora lunar da paixão cante
Entre os escolhos da vida consolo enchamescido
E para sempre na carne gravado e tecido.


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A arca aberta


Contempla o mundo a tua frente, arca aberta
É tua aspiração nas noites docementes segredada,
Não há sonho que não cante na alvorada,
É vasta a luz e a voz do azul sempre oferta.

Se a águia ousar, colherá vasta manhã!...
Esguio é o ouro, mas rica é a natureza
Do desejo: o olhar propõe o que a carne
Pensa, à emoção quase sempre propensa.

São albergue de doçura os afagos da Castelã
É brado de gozo o de amor, e a volúpia
Esculpe dia a dia a carne das novatas.

Para festa e não para privação nascidos
Os filhos conhecem o mundano Arno da terra
Que ao ódio é pranto e arrepender-se de fera.


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As duras razões do não

Poupa a ti mesmo, as duras razões do não
O mundo lhe dirá, o mundo que propõe
Asas aceras ao desejo, às garras da paixão,
E um ritmo de águias e rapina a tudo impõe.

Altos medos de amar, histrionismo, religião
Todo salmo oco que adora a privação
O amor próprio mordido, o desespero, a fé
No mal, o psicólogo do absurdo, o caos até ;

Basta! Em tudo canta sonoramente o desejo
Há luxuosa volúpia, há amor, há paixão
Singram as gaivotas nas plagas da emoção...

Esculpe o verbo enchamescido em labirinto
Ecoa nos ouvidos a voz acesa do prazer
Nenhuma razão afaga o negro padecer.


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No labirinto

Denso punhal é o pranto, na terra
Um muro, e no muro um labirinto...
Consola-nos talvez, o ramo da alvorada
Esculpido no dorso desnudo da beleza.

Sem asas para o lirismo louco da lua
Geme o pranto, e quer torna-se deus:
Tu bebes, monstro de sombra, a sangue aceso
Que sagra o lírio sobre a adaga do caos.

Branca é a alva que esculpe a matinada,
Alberga o infinito, a face de amor
E o olhar do desejo sabe altivo propor

Mas na treva sangra a adaga da desgraça
O cego crê em outra lei, que diz seu não
À gulosa carne e à águia do coração.


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O albergue do prazer

Lânguida volúpia, albergue do paraíso
É a carne que canta e ecoa sons de prazer
Afaga o mísero, cujo único poder
É a gala do afeto, a floração do riso.

Amar e ser amado é essencial, é preciso
Além do pão sagrar o vinho, e refazer
A cada momento o hino de lazer
Para coroar o destino do triste narciso.

Enquanto impérios goza o ente rico
Sobre o dorso agitado do agora aceso
Tece a beleza o manjar do namorico

Sobre as asas do desejo, bufão teso
E a farta oferta de esplendores em flor
Expande ao mundo o lírico licor.


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O verão das musas


Goza o verão das musas, ainda é dia
De juventude: exaure o horizonte possível!
A morte guarda seu labirinto terrível;
Esculpe um intermezzo em galas de folia.

Pobre poeta, é um tesouro a ardentia
Da adoração da beleza, que em meigo nível
Confraterniza os seres na veia sempre acessível
Da carne audaz... Foge à dor sombria

Do caos do instante, cinza sob a asa
Da rubra paixão que o sentimento abrasa
E ilumina o firmamento em flores

Nesta balbúrdia voluptuosa, busca, encontro
Eleva teu fino rumo ao lírico outro
Prepara o Gran Finale à luz desses amores.


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A refrega


Oh dor que amarga a impotência absurda!
Luta o mortal pelo gozo do raro sonho
Seu ideal é fanal, tanta vez tardo,
Sobre a refrega renhida da terra rica

Se nesses mais de um reino há na parada:
Para uns o amor, a forjar um paraíso
Para outros o ouro, pleno condor de asas
Nunca nos falte a paz e o encanto da natureza!

Conquista o espírito o sábio, é preciso
Escolher talvez, ou ouro ou pousada
Ou cristal de amor circundado de paz

Ou guerra material, talvez... E na invernada
Dure o que durar a chama da paixão
Unida ao gládio atroz da babante cobiça.


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O triunfo do metal


Na esfera onde triunfa o metal louro
Vil espírito fecha boca, olhos e ouvidos
Ao brado altíssono do espírito: de nada
Vale então se amas ou odeias, se és nobre
Ou vil, coxo ou altaneiro: lá compra-se
Uma alma, duzentos almas... À voz do mando
Atas-te em corrente, não és cabeça pensante
Mas burro braço que executa, e assim
Entre hierarquias e leis, gira o mundo
Lá onde triunfas, ouro, pervertedor atroz
Das celestes harmonias... Outro é o reino
Da beleza, onde apraz viver, apraz gozar.
Lá importa se vais amar ou odiar
Se teu coração é nobre ou enfermo.
Mas, como evocar o império do ideal
Onde toda alma encontra o frio animal
E a sua fome atroz nunca é apetecida.
Fechado em si mesmo, no élan do egoísmo
Procura uma potência que os sonhos seus perfaça
Mas pensa em si somente: estes entes desconjuntos
Desejando em uníssono um reino material
Nem suspeitam a messe universal ofertada a todos.

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