segunda-feira, 23 de junho de 2008

Quadros



Quadro I

À minha frente se estende o mar rugindo,
Acima o céu calado,
Às vezes um pássaro da floresta
Soltando uma escala perdida
Em meios aos ecos da criação.

Um rouxinol que se perde nos ares
Circundando um vôo atrevido
E o reclamar vigoroso dos mares
A roçar o áspero penedo.

Notar tudo isso é sinal de grandeza:
No reino de Deus os melhores
São os que agradecem de mãos fendidas
E não os que se esganam de dores
Pela importância adquirida.

Se este espetáculo acabar, que importa?
Deixai o tempo passar, sem medo.
Não temas, curte a ardentia
Das praias de verão.



Quadro II

Como veleiro sem mar
Como corredor sem rumo
Sigo avante a vislumbrar
As dores que em verso resumo.

Da aurora ao poente
Pesa-me o mando das horas
E calado, contente,
Me vergo às tais senhoras.

Imenso, o horizonte acena
Me chamando a novas aventuras
Mas preso no solo
Fico a esperar futuras
Novas, sem consolo.

1996

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Evocatória

Mundos que habitais este meu ser desconhecido!
Lúgubres, vívidos, robustos e melancólicos.
eu vos convoco, ora à força, ora em bucólicos
devaneios me desfazendo.
Vos convoco conforme a vossa secreta essência
placidamente lírica ou em sensual efervescência.

Vinde, queridos transes, que esta alma já cansada
das coisas desta esfera evoca desolada.
Vos alcançar em sonhos já consinto.
Vos possuir! Se vos possuo, minto,
contentando-me em ter só vosso espectro
conforme o idealiza o pensar decrépito.

O meu discurso lancei aos quatro ventos.
Ouve-me o céu, os campos sem tormentos
em angélica mansidão repousados.
Possa arrancar com grandes pensamentos
do mundo real os vários firmamentos
da matemática razão ignorados,
aí, bem acima dela em ventura ocultos,
sagrados na imensidão. Eternos vultos!

Eu vos convoco com a mansidão canora
de quem quer muito, o muito ignorando,
que o valor do tesouro que se ignora
vale mais, mais sublime é que milhar contado.

Vinde a mim, ansioso vos procuro
angustiado de vos encontrar às vezes,
outras calmo, risonho e puro,
Inferno italiano, mar dos portugueses,
Homem em Pessoa, céu dos gregos Deuses,
ou empíreo de luz Goetheano
que a tanto trancende o que é humano!

1996

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Sonata em 4 Poemas

Sonata em 4 poemas

Poema I- Loucura!

Loucura, ah! Loucura!
Que beira as vagas do infinito!
Praia amorfa que abrigas
O meu coração tristonho e aflito!

Diz-me tu, calada amiga,
Porque ao pesar dou tal valor
Me absorvendo só em vis intrigas?

Tu és anjo e sagaz demônio!
Céu é a paz que te cerca.
Inferno, sou eu que te acompanho.

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Poema II

Insano Gemido

No sono que a dor conforta
Solto um insano gemido
Que se perde pelas trevas
Sem encontrar ouvido.

O conteúdo dessa dor
É um fruto de amor,
Um canto desvairado,
Uma canção perdida,
É falta de amores,
É falta de amigos.

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Poema III

Os olhos gracejantes

Mirei os teus olhos num gracejo
Ingênuo e brincalhão
Dos olhos passei ao beijo
Da zombaria à escravidâo.

Toma cuidado, rapaz, com os olhos de mulher.
Da menina, da donzela, ou como a chamares,
Pois é assim que o homem perde a visão
Na sedução de dois olhares

Ao resto do corpo te atira com fúria,
Devora, apalpa, te inflama,
Aí habita a casa da luxúria,
Nos olhos, a morada é de quem ama.

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Poema IV

Boca Infinita


Seus lábios parecem uma enseada
Onde repousam, mansas,
As pombas-almas dos homens.

Vermelhos, transbordam vida,
Com graça e descontração,
Tão leves, duas estrelas
Pairando no céu,
Que se desdobram do infinito
E vêm tocar os lábios meus!


1992

terça-feira, 10 de junho de 2008

A Alegria

A alegria é vã, descontraída,
Não busca do mistério explicação,
Apenas levanta e transborda na vida
Com seu fluxo fácil, em levitação.

Não pára em gênios perdida,
Sabe que o dia é cor em movimento.
Vive, palheta de mil cores, entretida
Entre o sorriso e o contentamento.

Já quem dá asas ao pensamento,
Proclama em si o necessário da razão,
Espanta a risada de expansão,
Atrai a dúvida e o incontentamento.

A alegria se reflete do nada:

No amar e não saber porquê,
No viver, e viver apenas,
No não perguntar e não perceber
A massa de coloração triste
Que se esconde por trás de si .


1992

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Quem desespera

Quem desespera ainda uma vez acredita,
Pois geme, sangra e palpita
Ao perceber o impossível da esperança
Que a vontade divisa e abraça.

Crê no impossível desacreditando,
Lamenta o perdido procurando
Um fio pelo qual o retome
E com novas energias o dome.

Desesperar é esperar, ainda
Que seja o futuro temível
A dor imensa e nunca finda
E o vazio inquietante, inexprimível.

Ousa a pessoa lançar à idéia vaga
Aquilo que hoje nos amarga
E no passado foi valiosa paga.

O desespero é o refúgio de quem acredita,
Faz voltas mil com o fio do discernimento
E assim o mais distante delimita.

O desespero audaz, bravo e rude
Que vai clamando em tom agressivo
E grita ao eterno- Mude! Mude!
Atrevido e impusivo.

1993

Nota:

Escrito aos dezessete anos após ler "O pensamento vivo de Nietzsche", de Heinrich Mann.

domingo, 8 de junho de 2008

Ode a Machado de Assis

Machado, se me lês, ouça.

Não tive ainda tempo de parar o tempo
e ler as tuas folhas como elas merecem.
Com vagar, com método e reflexão.
Que, em verdade, quem quer dialogar
com o elemento eterno
tem que refrear a ambição das horas comerciais,
a velocidade dos taxímetros e tudo mais
que se move do hoje para amanhã
neste mundo fugátil.

Tem de construir um oratório
dentro de uma gruta,
na alameda do elemento eterno,
colocar-se no mesmo nível
e aí, vislumbrante, calado
dialogar com o imutável.

Saiste numa esquecida tarde de outono
do teu escritório, filosofando.
O sol, as árvores, os pássaros
cantando no frescor dos ares
te pareceram dignos de seguir iguais,
eternamente iguais.
E fixaste as notas todas dos pardais
e o abafado rumor de duas mulheres
que vinham descendo a ladeira,
e o aroma fresco das plantas,
segundo te pareceu aparecer isso tudo.

No lugar onde habitas
no reino do apenas imaginável
através do verbo recordar
vives apalpando as tuas memórias;

A Rua do Botafogo já não é a mesma
Da árvore resta o poste.
O bonde passou e trouxe o carro.

As mulheres aposentaram as sombrinhas
e os vestidos compridos e enfeitados
e andam semi-nuas ao amante sol

Amante de todos os seres
até dos lascivos e escusos.

Mas os pássaros, no golfar do momento
de soltar cantigas ao vento
continuam fixando o mesmo som
que lhes dirigiste, outrora, pesado e mudo.
Eles decodificaram a tua língua
e repetem agora os filhos plúveos.

Os teus filhos, Machado, são teus livros
de uma sólida e vasta estirpe.
Trazem gravados um pouco do infinito
que palavreava sob teu crânio
e outro pouco do que
por trás da fala
aí ecoava.


1993

Evocação à poesia

Poema, ergue as asas de diamante,
Vôo original de acesos lábios,
Púrpura sanguínea de tronos fantásticos,
Mergulho no acaso azul do verso.

Nesta tarde saudosa e condoída
Canta, gôndola preciosa dos instantes,
Canta o largo coração de ais cingido
E o ouro que recama a tez do espaço.

Evoca a mensagem há muito esquecida
Quando pelas ruas da infância as pedras falavam,
Desprende as correntes invisíveis
Presas nas fortes colunatas do relógio.

Abala os motivos da vida, plena existência
De figuras móveis e palavras do possível,
Para que um dia os astros murmurantes
Lembrem o lampejar solene de mil bocas.


Julho de 1993

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Balada Lenta

Lenta, desperta a balada,
A balada do meu sonho, lenta...
E vejo a terra a entretecer o nada,
E o céu de preces que o azul sustenta.

Lento tropel abandona lento
As hordas mais frescas do som dedilhado
Nas harpas coruscantes do alento,
Na lentidão da canção e seu cardo.

Canção vagarosa, afeição calma e tarda
De tudo porque sou, porque amo, penso,
Porque o agora é uma canção sagrada
Sorrindo o girassol e o meu vergão de incenso.

O incenso da minha balada sulfurosa
Lentamente cavalgando pelos astros
Que no oriente da volúpia tarda
Estende lentas velas pelos lentos rastros.

Lenta a balada singra meu cansaço,
Mais lenta dorme a meus pés de fogo,
E eu já conto os tropéis, que meu abraço
Vai dormitar aos pés de lento rogo.

1992

Sombras

Estais novamente aí, fagueiras sombras
Enchendo o espaço com o vosso vazio?
Ou és tu, corrompida visão, que assombras
De tola e soturna embriaguês e cio?

Perdidas estais da vossa morada
Nas terras do hades submerso
Ou vens deixar esta vida apavorada
Com vosso gesto solene ou travesso?

Quem pode o vosso nada julgar
Livre de paixões e de aprêço
Se todos sentimos a vós ameaçar
O nosso fim ou o nosso começo?

Estais aí novamente, sombras fagueiras
Falsas talvez, verdade ou mito?
Não sois as primeiras e nem derradeiras
Que às outras se somam no infinito.

Dos mundos de fora e da interioridade
Vossa múltipla face nos censura
A palavra que sai de novidade
E nenhuma expressão se nos afigura!

Tremendo espanto em pouca verdade,
Estais sempre e sempre aí, sombras felinas
Até nas horas de maior claridade!
Negras no efeito, e no final... divinas!

1993

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Noite Schopenhauriana

Cai, noite, profunda e triste,
Cai, noite, medonho manto
Que sobre toda coisa que existe
Espalha sua dor e o seu pranto.

Avisto à distância, no infinito
As estrelas em fulgor cintilante
Enquanto eu deste abismo as fito
Entre pasmo de dor e asco revoltante.

Ora movo os passos à imensidade
Que habita no trabalho e no esforço,
Ora sucumbo à fria insanidade.

De que serve enfim, a vida escura?
Se velho acho o coração tão moço
E tropeçando avanço na amargura?

Não sei se solto a alma já tão gasta
No tétrico idílio de uma morte dura,
Ou se morro buscando o teu remédio,
Poção inútil de uma dor sem cura

Levanta o sol, em flamas ele arde,
Inunda o espaço, o enche de alegria,
Quis eu sugar tais vibrações, não pude,
Tão fraco e gasto nesta noite fria...

1993