quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Floresta da Vida

Suponha a existência de imensa floresta
Onde a humanidade é planta rasteira.
As copas das mais altas árvores
Nos sugam a luz sorrateira.

Pois neste universo nem todos recebem
Dos raios solares a justa recompensa.
Há rosas que murcham na falta de luz
E estrume entre luz imensa.

Mas uma voz secreta em todos palpita
E solta as forças, sem alarido,
E todos se põe a crescer
Do galho de espinhos ao ramo florido:

“Vós todos bem sentis a ação secreta
Da natureza em seu governo eterno
E de ínfimas camadas subterrâneas
Da vida o indício à superfície emerge”.

É voz que brada de cima, capta
O ouvido que recebe a mensagem,
É a voz do próprio criador
Que se dirige à sua criadagem.

E quem é este escravo de Deus?
A planta rasteira de pouca luz!
De onde a voz vem, não se sabe,
Talvez de um forte, talvez duma cruz.


Daniel Pettri

domingo, 24 de agosto de 2008

WITHMANN

Ah! Withmann, gênio dos gênios
alma das almas do mundo
e do céu,
Tua poesia não precisa
não deve
não pode ser interpretada,
entendida
Pois tua amplitude é tal
que escapa aos domínios da razão,
Uma beleza tal fala por si mesma
Diretamente da coisa dita aos homens.

Tu não comentas as mães
és a própria geração
Tu estás em toda parte
Em todos os reinos e mundos
Crescendo junto as ervas.

Não preciso procurar-te,
Para todo lugar que olho,
Céu, terra e coração
Sinto tua presença viva.

Impossível fugir à tua presença
No âmago de todas as coisas
A tua alma imensa transpira
E para qualquer lugar que vá
Estarás lá à minha espera.

Te encontrarei no fim
E quando nasci te descobri,
E, passo a passo, te redescubro
Não só na borda da estrada
És o próprio caminho
e universo.


Daniel Pettri

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

ORGULHO

Orgulho delicioso, eu me esborro
Em ti me lambuso fartamente
O meu legado ao imutável doo
O meu presente ao cheio vôo
De não mudar jamais.

Enche,tarde, a enseada de paz,
Onde repousa, meiga, a natureza.
Mas só para mim eu olho!
Cúmulo do pouco e da avareza!

Voam as aves, às auras mansas
Entregam as asas, despreocupadas;
Eu fico preso ao chão que me retém, forçoso
De abraçar o céu e as alamedas.

Os ecos pela distância oca voam
E retribuo a esta saudação sonora
Um "bem dito" vago e pouco
Que julgo ouvir-se clamoroso.

Assim eu falo, pois tomei ciência
Do pouco que sou, sendo muito,
Em gesto de mesquinha benevolência.

Não há quem negue à flor grandiosidade
Porque conquista todos os seres,
Ao gracioso riacho transparência,
À humildade excelência,
Ao coração e à fé imensidade.

A estes muitos me julgo aumentado!
A estes poucos- infinitos que não se aumentam
Porque me fecho delirando

E assim, os mundos - poucos afugento!


Daniel Pettri

domingo, 17 de agosto de 2008

O TEMPO DOS AMANTES

O Tempo revoa, meus instantes morrem
A juventuda passa nas balsas da tarde,
E um velho acalanto em meu peito borda
Tristezas de outono, onde a primavera arde.

Navega, oh! balsa dos meus anos,
Vai pelas sendas do tempo sentida,
E busca nas cismas um lago de aromas,
E busca nos lábios um lago de vida.

Por quê foges, oh! tempo de alvorada?
Quando a hora e a luz se fazem mais risonhas!
Por quê partes assim em debandada
Tardes de amor, onde tristeza, sonhas?

A manhã dos meus anos é formosa e cara,
O olhar canta uma juventude em cada fronte
Quando vê passarem, lírios do infinito
As moças que em si resumem flórido horizonte.

A ternura dos meus lábios é só arminhos,
O frescor dos meus gestos é só louros,
Deixa eu coroar a tua fronte com meus beijos
E vestir o dia de teus cabelos douros.

Mas tudo passa... teus dias de menina
São uma tarde que fez-se moça
Ao murmur dos teus carinhos nesta boca
Nenhum dia falecido já remoça.

O tempo, esse falcão ousado
Rouba-nos tudo, juventude! amor! anelos!
Descerra sobre mim o cortinado
Da tenda oriental dos teus cabelos!

Que o tempo passe mas não custe a vida,
Que o dia morra mas não reine a treva,
Quero ficar contigo entre suspiros
Antes que os lírios morram porque neva.


Daniel Pettri

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Oh! Fortuna!

Fortuna! Fortuna! Fortuna! Salve!

Dor e desespero
Consagração e glória.
Bem maldito que a todos os entes
que compõem a humanidade, atrai,
com força sedutora de senhora escravisadora,
com golpes de carrasco que aos fracos dilacera
e os deixa pendentes sobre o abismo medonho
que a presença do inconformismo impotente gera.

Oh, Fortuna! Senhora e rainha do mundo!
que a todos põe em sobressalto! Salve!
Eu te quero com o querer mais intenso,
com o sentimento e o desejo mais profundo!
Poderei arrebatar-te, prêmio imenso?
Servirá teu reino aos refrões da pura arte?

Com imperadores e mendigos se reparte
este louro de chamas, que quando presente
queima a cabeça com atribulações,
e a faz arder para obtê-lo, se ausente.
Fortuna que abre caminho e afasta corações,
Fortuna que recompensa esforços e os engana
E enriquece os pobres pela voz da posteridade.

Fortuna! Tal é o poder quede seu ouro emana
Que por ele se remodelam personalidades
e se pagam de viver nas saudades
dos teus braços, do teu colo deleitoso
que sem corpo é um delírio amoroso,
saudade sem tê-la alcançado,
posse sem nunca tê-la abraçado.

A um gesto teu, Fortuna, do esperado chamamento
Fluem para ti, em frenético, deseperado atropelo
uns aos outros, se destruindo pela jornada,
o tolo, o frívolo, o sabio e o gênio;
A feia, a puta, a bela e a pura formosura.
suspeito que até o vento e as estrelas
tão livre um
as outras tão suspensas no mar da eternidade
te cobiçam com forças loucas, redobradas,
e por ti sacrifiquem alturas e liberdade.

Obscecante destino, áspera conquista
que se exibe no elevado monte
tendo um caminho estreito e íngreme
que ver não deixa o horizonte
e ameaça a cada passo e instante
o viajante com profundo abismo.

Lá no alto de luzes resplandesce,
extasia e inquieta toda gente,
a deixa nunca calma, sempre a sofrer,
sempre e sempre a vida eterna descontente
(eterna no seu renovar e e morrer)

Entre o nada do abismo e a luz que o todo
pode comover e mover a caminho estreito
uma legião de homens a buscar teu leito.
Embaixo o vazio negro e medonho,
onde muitos, Fortuna, tua luz precipitou.

Aquele que com fogo te amou
e por ti hoje sozinho e bisonho
vislumbra debaixo o cume que se apartou
Para todo sempre de seu louco sonho.

1993

Rubentes Ninhos

Moça singela que engrinalda os ares
Na flor de teus suspiros e perfume fresco,
Ao casto amante, que por ti se inflama
E tanto ama, concede-lhe refresco.

Faz palpitar um coração candente
Unido ao seio vasto e colo doce,
Extrair beijos de rubentes ninhos
E com carinhos contemplar-te a face.

Da primavera reverdece as aras
E torna ledo amor fraco e indeciso
De modo que o lirismo expansivo
Vibre festivo na casa do teu riso.

Tu és um vale de formosuras, quando
Abres os braços, o ar suspira, as aves cantam,
As fogosas harpas do gracejo ardente
Clamam, e contentes teu nome decantam.

Paisagens claras tens no olhar mimoso
Onde o cismar vê um coração luzente.
Deixa eu sonhar um sonho de andorinhas
No céu que aninhas no olhar meu, veemente.

Como um império de bálsamo e ouros
Distende a tenda do oriental cabelo
E deixa-me vagar entre o sol claro
No murmur caro em frases de desvelo

No colo terno e em volúpias tantas
Quero te dar delírios arquejantes!
Oh! vem, mulher! O bardo em chamas feito
No teu alvo peito faz afagos transbordantes.

Oh! linda amante, moça dos meus anelos
Como é puro o canto em que navego!
Vamos vagar atoa no infinito
E dormir na boca de um pélago!

Meu corpo ardente te convoca em alvoradas,
Chama teu corpo, freme, palpita balbuciante.
Vou te beijar como um relâmpago de flores
Na festa dos amores, no enleio extasiante!

Tu és o ninho-eu o condor errante.
Tu és a praia-eu o viajar cansado
Que, após longas procuras, se arremessa
Na promessa do teu leito de amor bordado.

Moça singela que engrinalda os ares
Na flor de teus suspiros e perfume fresco,
A esse amante, que por ti se inflama
E tanto ama, concede-lhe refesco.

Moça singela que engrinalda os ares
Na flor de teus suspiros e perfume fresco.
Ao casto amante, que por ti se inflama
E tanto ama, concede-lhe refresco.

Faz palpitar um coração candente
Unido ao seio vasto e colo doce,
Extrair beijos de rubentes ninhos
E com carinhos contemplar-te a face.

Da primavera reverdece as aras
E torna ledo amor fraco e indeciso
De modo que o lirismo expansivo
Vibre festivo na casa do teu riso.

Tu és um vale de formosuras, quando
Abres os braços, o ar suspira, as aves cantam,
As fogosas harpas do gracejo ardente
Clamam, e contentes teu nome decantam.

Paisagens claras tens no olhar mimoso
Onde o cismar vê um coração luzente.
Deixa eu sonhar um sonho de andorinhas
No céu que aninhas no olhar meu, veemente.

Como um império de bálsamo e ouros
Distende a tenda do oriental cabelo
E deixa-me vagar entre o sol claro
No murmur caro em frases de desvelo

No colo terno e em volúpias tantas
Quero te dar delírios arquejantes!
Oh! vem, mulher! O bardo em chamas feito
No teu alvo peito faz afagos transbordantes.

Oh! linda amante, moça dos meus anelos
Como é puro o canto em que navego!
Vamos vagar atoa no infinito
E dormir na boca de um pélago!

Meu corpo ardente te convoca em alvoradas,
Chama teu corpo, freme, palpita balbuciante.
Vou te beijar como um relâmpago de flores
Na festa dos amores, no enleio extasiante!

Tu és o ninho-eu o condor errante.
Tu és a praia-eu o viajar cansado
Que, após longas procuras, se arremessa
Na promessa do teu leito de amor bordado.

Moça singela que engrinalda os ares
Na flor de teus suspiros e perfume fresco,
A esse amante, que por ti se inflama
E tanto ama, concede-lhe refesco.

1993

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Quadros



Quadro I

À minha frente se estende o mar rugindo,
Acima o céu calado,
Às vezes um pássaro da floresta
Soltando uma escala perdida
Em meios aos ecos da criação.

Um rouxinol que se perde nos ares
Circundando um vôo atrevido
E o reclamar vigoroso dos mares
A roçar o áspero penedo.

Notar tudo isso é sinal de grandeza:
No reino de Deus os melhores
São os que agradecem de mãos fendidas
E não os que se esganam de dores
Pela importância adquirida.

Se este espetáculo acabar, que importa?
Deixai o tempo passar, sem medo.
Não temas, curte a ardentia
Das praias de verão.



Quadro II

Como veleiro sem mar
Como corredor sem rumo
Sigo avante a vislumbrar
As dores que em verso resumo.

Da aurora ao poente
Pesa-me o mando das horas
E calado, contente,
Me vergo às tais senhoras.

Imenso, o horizonte acena
Me chamando a novas aventuras
Mas preso no solo
Fico a esperar futuras
Novas, sem consolo.

1996

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Evocatória

Mundos que habitais este meu ser desconhecido!
Lúgubres, vívidos, robustos e melancólicos.
eu vos convoco, ora à força, ora em bucólicos
devaneios me desfazendo.
Vos convoco conforme a vossa secreta essência
placidamente lírica ou em sensual efervescência.

Vinde, queridos transes, que esta alma já cansada
das coisas desta esfera evoca desolada.
Vos alcançar em sonhos já consinto.
Vos possuir! Se vos possuo, minto,
contentando-me em ter só vosso espectro
conforme o idealiza o pensar decrépito.

O meu discurso lancei aos quatro ventos.
Ouve-me o céu, os campos sem tormentos
em angélica mansidão repousados.
Possa arrancar com grandes pensamentos
do mundo real os vários firmamentos
da matemática razão ignorados,
aí, bem acima dela em ventura ocultos,
sagrados na imensidão. Eternos vultos!

Eu vos convoco com a mansidão canora
de quem quer muito, o muito ignorando,
que o valor do tesouro que se ignora
vale mais, mais sublime é que milhar contado.

Vinde a mim, ansioso vos procuro
angustiado de vos encontrar às vezes,
outras calmo, risonho e puro,
Inferno italiano, mar dos portugueses,
Homem em Pessoa, céu dos gregos Deuses,
ou empíreo de luz Goetheano
que a tanto trancende o que é humano!

1996

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Sonata em 4 Poemas

Sonata em 4 poemas

Poema I- Loucura!

Loucura, ah! Loucura!
Que beira as vagas do infinito!
Praia amorfa que abrigas
O meu coração tristonho e aflito!

Diz-me tu, calada amiga,
Porque ao pesar dou tal valor
Me absorvendo só em vis intrigas?

Tu és anjo e sagaz demônio!
Céu é a paz que te cerca.
Inferno, sou eu que te acompanho.

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Poema II

Insano Gemido

No sono que a dor conforta
Solto um insano gemido
Que se perde pelas trevas
Sem encontrar ouvido.

O conteúdo dessa dor
É um fruto de amor,
Um canto desvairado,
Uma canção perdida,
É falta de amores,
É falta de amigos.

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Poema III

Os olhos gracejantes

Mirei os teus olhos num gracejo
Ingênuo e brincalhão
Dos olhos passei ao beijo
Da zombaria à escravidâo.

Toma cuidado, rapaz, com os olhos de mulher.
Da menina, da donzela, ou como a chamares,
Pois é assim que o homem perde a visão
Na sedução de dois olhares

Ao resto do corpo te atira com fúria,
Devora, apalpa, te inflama,
Aí habita a casa da luxúria,
Nos olhos, a morada é de quem ama.

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Poema IV

Boca Infinita


Seus lábios parecem uma enseada
Onde repousam, mansas,
As pombas-almas dos homens.

Vermelhos, transbordam vida,
Com graça e descontração,
Tão leves, duas estrelas
Pairando no céu,
Que se desdobram do infinito
E vêm tocar os lábios meus!


1992

terça-feira, 10 de junho de 2008

A Alegria

A alegria é vã, descontraída,
Não busca do mistério explicação,
Apenas levanta e transborda na vida
Com seu fluxo fácil, em levitação.

Não pára em gênios perdida,
Sabe que o dia é cor em movimento.
Vive, palheta de mil cores, entretida
Entre o sorriso e o contentamento.

Já quem dá asas ao pensamento,
Proclama em si o necessário da razão,
Espanta a risada de expansão,
Atrai a dúvida e o incontentamento.

A alegria se reflete do nada:

No amar e não saber porquê,
No viver, e viver apenas,
No não perguntar e não perceber
A massa de coloração triste
Que se esconde por trás de si .


1992

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Quem desespera

Quem desespera ainda uma vez acredita,
Pois geme, sangra e palpita
Ao perceber o impossível da esperança
Que a vontade divisa e abraça.

Crê no impossível desacreditando,
Lamenta o perdido procurando
Um fio pelo qual o retome
E com novas energias o dome.

Desesperar é esperar, ainda
Que seja o futuro temível
A dor imensa e nunca finda
E o vazio inquietante, inexprimível.

Ousa a pessoa lançar à idéia vaga
Aquilo que hoje nos amarga
E no passado foi valiosa paga.

O desespero é o refúgio de quem acredita,
Faz voltas mil com o fio do discernimento
E assim o mais distante delimita.

O desespero audaz, bravo e rude
Que vai clamando em tom agressivo
E grita ao eterno- Mude! Mude!
Atrevido e impusivo.

1993

Nota:

Escrito aos dezessete anos após ler "O pensamento vivo de Nietzsche", de Heinrich Mann.

domingo, 8 de junho de 2008

Ode a Machado de Assis

Machado, se me lês, ouça.

Não tive ainda tempo de parar o tempo
e ler as tuas folhas como elas merecem.
Com vagar, com método e reflexão.
Que, em verdade, quem quer dialogar
com o elemento eterno
tem que refrear a ambição das horas comerciais,
a velocidade dos taxímetros e tudo mais
que se move do hoje para amanhã
neste mundo fugátil.

Tem de construir um oratório
dentro de uma gruta,
na alameda do elemento eterno,
colocar-se no mesmo nível
e aí, vislumbrante, calado
dialogar com o imutável.

Saiste numa esquecida tarde de outono
do teu escritório, filosofando.
O sol, as árvores, os pássaros
cantando no frescor dos ares
te pareceram dignos de seguir iguais,
eternamente iguais.
E fixaste as notas todas dos pardais
e o abafado rumor de duas mulheres
que vinham descendo a ladeira,
e o aroma fresco das plantas,
segundo te pareceu aparecer isso tudo.

No lugar onde habitas
no reino do apenas imaginável
através do verbo recordar
vives apalpando as tuas memórias;

A Rua do Botafogo já não é a mesma
Da árvore resta o poste.
O bonde passou e trouxe o carro.

As mulheres aposentaram as sombrinhas
e os vestidos compridos e enfeitados
e andam semi-nuas ao amante sol

Amante de todos os seres
até dos lascivos e escusos.

Mas os pássaros, no golfar do momento
de soltar cantigas ao vento
continuam fixando o mesmo som
que lhes dirigiste, outrora, pesado e mudo.
Eles decodificaram a tua língua
e repetem agora os filhos plúveos.

Os teus filhos, Machado, são teus livros
de uma sólida e vasta estirpe.
Trazem gravados um pouco do infinito
que palavreava sob teu crânio
e outro pouco do que
por trás da fala
aí ecoava.


1993

Evocação à poesia

Poema, ergue as asas de diamante,
Vôo original de acesos lábios,
Púrpura sanguínea de tronos fantásticos,
Mergulho no acaso azul do verso.

Nesta tarde saudosa e condoída
Canta, gôndola preciosa dos instantes,
Canta o largo coração de ais cingido
E o ouro que recama a tez do espaço.

Evoca a mensagem há muito esquecida
Quando pelas ruas da infância as pedras falavam,
Desprende as correntes invisíveis
Presas nas fortes colunatas do relógio.

Abala os motivos da vida, plena existência
De figuras móveis e palavras do possível,
Para que um dia os astros murmurantes
Lembrem o lampejar solene de mil bocas.


Julho de 1993

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Balada Lenta

Lenta, desperta a balada,
A balada do meu sonho, lenta...
E vejo a terra a entretecer o nada,
E o céu de preces que o azul sustenta.

Lento tropel abandona lento
As hordas mais frescas do som dedilhado
Nas harpas coruscantes do alento,
Na lentidão da canção e seu cardo.

Canção vagarosa, afeição calma e tarda
De tudo porque sou, porque amo, penso,
Porque o agora é uma canção sagrada
Sorrindo o girassol e o meu vergão de incenso.

O incenso da minha balada sulfurosa
Lentamente cavalgando pelos astros
Que no oriente da volúpia tarda
Estende lentas velas pelos lentos rastros.

Lenta a balada singra meu cansaço,
Mais lenta dorme a meus pés de fogo,
E eu já conto os tropéis, que meu abraço
Vai dormitar aos pés de lento rogo.

1992

Sombras

Estais novamente aí, fagueiras sombras
Enchendo o espaço com o vosso vazio?
Ou és tu, corrompida visão, que assombras
De tola e soturna embriaguês e cio?

Perdidas estais da vossa morada
Nas terras do hades submerso
Ou vens deixar esta vida apavorada
Com vosso gesto solene ou travesso?

Quem pode o vosso nada julgar
Livre de paixões e de aprêço
Se todos sentimos a vós ameaçar
O nosso fim ou o nosso começo?

Estais aí novamente, sombras fagueiras
Falsas talvez, verdade ou mito?
Não sois as primeiras e nem derradeiras
Que às outras se somam no infinito.

Dos mundos de fora e da interioridade
Vossa múltipla face nos censura
A palavra que sai de novidade
E nenhuma expressão se nos afigura!

Tremendo espanto em pouca verdade,
Estais sempre e sempre aí, sombras felinas
Até nas horas de maior claridade!
Negras no efeito, e no final... divinas!

1993

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Noite Schopenhauriana

Cai, noite, profunda e triste,
Cai, noite, medonho manto
Que sobre toda coisa que existe
Espalha sua dor e o seu pranto.

Avisto à distância, no infinito
As estrelas em fulgor cintilante
Enquanto eu deste abismo as fito
Entre pasmo de dor e asco revoltante.

Ora movo os passos à imensidade
Que habita no trabalho e no esforço,
Ora sucumbo à fria insanidade.

De que serve enfim, a vida escura?
Se velho acho o coração tão moço
E tropeçando avanço na amargura?

Não sei se solto a alma já tão gasta
No tétrico idílio de uma morte dura,
Ou se morro buscando o teu remédio,
Poção inútil de uma dor sem cura

Levanta o sol, em flamas ele arde,
Inunda o espaço, o enche de alegria,
Quis eu sugar tais vibrações, não pude,
Tão fraco e gasto nesta noite fria...

1993

sábado, 24 de maio de 2008

O rítmo do ouro

Tudo canta, tudo gira no rítmo do ouro
Sua feroz cantiga material, e que engrenagens!
O mundo vibra escravo do metal louro
Não há livre nem beco nem paragens.

Ao pobre o açoite com cruel desdouro
Ao rico todos os gozos e estiagens
Rei da esfera, senhor dos destinos, teu agouro
Doma os amores, as razões e as carnagens.

O teu flagelo impinges ao mundo inteiro
Papel estúpido, sem alma e sem sangue,
Mas sobre os seres vivazes deus altaneiro

Traz-me uma bela de grato abrigo e langue
E sobre a pira ao gozo consagrada prepara
O prazer afeito a muitos, onde a dor desmaia.


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O albergue

Esse é o paraíso por muitos visitado
Matreiro e terrestre, albergue de face cara
Ao vivedor, que entre procelas e descasos
Deve continuar na trilha de existir.

Beleza suave, corpo de estátua ágil
Oferecida no verão ao gozo material
Musa do poeta, consolo gracioso, frágil
Não és, senão no volúvel voar de pluma.

O homem, ser luxurioso, despreza a dócil
Paixão do teu olhar, e o que mais procura
Em ti é a carne flébil, soluçante, adocicada.

Umas de volúpia, outras de amor, outras
De ternura, e outras mais amigas festivas
Caprichosas ao extremo, por vezes furtivas.

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A vítima e o chacal

Que consolo basta ao pranto aturdido
Do eu injustiçado? Poesia, esperança de amor,
Soem em meu sangue o fio incendido
Que comova os astros e os ponha a meu favor.

O tempo é um corcel cujo trotar indefinido
Esconde as perfídias do ódio, o verso-louvor
Da emoção acessa; labirinto dos sentidos
Leque de cavalgada azul e multicor.

Hoje a vítima e o chacal, o menestrel
E o silêncio da tumba, onde ecoou outrora
Uma canção de amor, clara, límpida, canora

E que continua vibrando no ar, no mundo
Sua expressão de bondade e enternecido mel
Além do monstro e do ódio de apelo imundo.



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O turbilhão

É doce ouvir, enquanto a noite estua
O festivo burbur que nos evoca na rua:
Este é o turbilhão, em cujo prazer aceso
Mais de uma vez voou o poeta preso.

É o mundo que gira e à volúpia convida
Em cujo ergástulo gentil o amante tem guarida
E a dor encontra o bálsamo, sutil e lento
Que entretém de loucura o tardo pensamento.

Bastardo ou Lorde, Barão ou mendigo
Todos comem deste pão, vivem deste trigo
Sorriso ébrio por Vênus levado a sério...

Apossa-te, oh luz, das bocas do hemisfério:
Vibras na carne e transbordas na alma
Estuas de volúpico veneno, amas na calma.

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Louca ânsia

Sombras da paixão, mesclas de fantasia
E carnais vitrines, que o momento erradia
A minha louca ânsia, compassada e irradia
Por vós arde de esperança e de dor sombria.

Musa do verão, oferecendo a forma esguia
Ao macho da vez, provedor e que anseia
Predar-te, mas nunca mimar-te; o dia
É uma taça ou bandeja; ardente ou fria.

Parque de carnal luxúria, altiva estátua,
Amiga do vivedor e predadora discreta
Inspira o amor na lira do poeta

Sobre ti passa a multidão da rua
E nua adormeces na estufa morena
Albergue de sensações, trigueira e terrena.


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O desejo de poder



O desejo de poder é oriundo do anseio
De realizar todos os sonhos: voar ao capricho
Das auroras da esperança tornadas reais...
De nada em si valem o mando ou o ouro
Senão como haver; o orgulho quer reinar
Soberanas asas tronos onde nos abane, opulentos
O gozo grácil de viver, muito valemos para nós mesmos,
E o outro nada vale, é algo
Incerto, disforme, a ser dominado;
isso quando somos apenas indiferentes, senão quando se odeia
Um inimigo seja ele quem for: um monstro ou
Uma inocente criança: arroja-se e galopa
A vingança, sempre atrás, para o ódio não existe
O inocente, somos todos culpados, herdam-se as culpas.


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O vôo sobre o caos



Crê no doce amor e na paz tranqüila
Tece tua voz e canta o vasto universo
A messe sorri, esplêndida, à luz do verso
Enquanto a beleza sua alvorada destila.

Foge do pranto, muro de baixa argila
E na alegria triunfa, em paz emerso
Te oferece a ocasião o céu submerso
No olhar; a perfídia da atroz sibila

Não te tolha a esperança do amor, manifesto
Na carne, a escoar de era sobre era
Nas harmonias imortais, renovadas, da esfera

Não é pouca ventura livre de cabresto
Ter canora voz e voar sobre o caos
Do mundo vil dos sentimentos maus.


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Divino rito


Interlúnio de paz, albergue da calada
Harmonia, rosa ao capricho do infinito,
Paz de luas e de auroras constelada
Sobre o descanso do amor, divino rito.

Quão grato és a alma outrora devotada
No gume atroz do desespero aflito
Bálsamo do peregrino na invernada
Prece de luz entre ecos e labirinto.

A vida, que quer dar-nos nosso ideal
E traça obscura leis, régias aos passos
E oferece o pranto, a lágrima, o fanal

Canta em teu consolo idílicos abraços
Do amor sem conta que guia o universo
E ao poeta inspira a alta luz do verso.


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Voava a bela

Voava a bela em seu traje aceso
Toda escândalo, a propor algum delito
Como despetalado pedaço de infinito
Rosa louca de que amor não é ileso.

O amor era uma águia louca de desejo
Sobre as formas ondulantes de granito
E o desejo um trotar de morte, aflito
Ante a espera colossal do licor-beijo.

Voava a bela... e em tamanho esplendor
A utopia via o raro afresco do amor
Como carnal eco em celestiais portentos

Se no seu vôo subjugava os elementos
Di-lo antes a carne de desejo, que evoca
A densa morte sobre o cais que a convoca.


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Tempo de colher


E virá o tempo de colher a ousadia
Tempo de amadurecer ante o oposto segredo
Ganhar em carícias o que reflete em medo
E renovar o voto de fé, o gosto da erradia

Aventura, a esperança mais além da ardentia
A voz da carne humilde e seu degredo
No vale material, no pranto e no folguedo;
Busca de felicidade egoísta, luz fria.

Na experiência dorme o clarão da pureza
E acorda o eco do mundo em nossa carne
Convulsivo canto, a exultar sua moleza

Rendem-se os anjos ao delito da beleza
Exaure-se a terra ao pugilato por bocados
E os sonhos inauditos constelados.


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Verdiana harmonia

Sem oferecer o alto amor, celeste entre asas,
Mas antes na lei prazer, feroz material,
Ela evoca o beijo e joga oca moral
Alheia à harmonia verdiana das esferas.

Será sempre convívio e floração de feras
Do desejo, banquete idílico e carnal
Que retrata o mundo debuchado ao natural
E aproximação de sonhos, hinos e panteras.

E não se exaure o movimento apetecido
Do momento a voar em asas de deleite
Sobre o caos do abismo, mar obscurecido

Até que a aurora lunar da paixão cante
Entre os escolhos da vida consolo enchamescido
E para sempre na carne gravado e tecido.


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A arca aberta


Contempla o mundo a tua frente, arca aberta
É tua aspiração nas noites docementes segredada,
Não há sonho que não cante na alvorada,
É vasta a luz e a voz do azul sempre oferta.

Se a águia ousar, colherá vasta manhã!...
Esguio é o ouro, mas rica é a natureza
Do desejo: o olhar propõe o que a carne
Pensa, à emoção quase sempre propensa.

São albergue de doçura os afagos da Castelã
É brado de gozo o de amor, e a volúpia
Esculpe dia a dia a carne das novatas.

Para festa e não para privação nascidos
Os filhos conhecem o mundano Arno da terra
Que ao ódio é pranto e arrepender-se de fera.


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As duras razões do não

Poupa a ti mesmo, as duras razões do não
O mundo lhe dirá, o mundo que propõe
Asas aceras ao desejo, às garras da paixão,
E um ritmo de águias e rapina a tudo impõe.

Altos medos de amar, histrionismo, religião
Todo salmo oco que adora a privação
O amor próprio mordido, o desespero, a fé
No mal, o psicólogo do absurdo, o caos até ;

Basta! Em tudo canta sonoramente o desejo
Há luxuosa volúpia, há amor, há paixão
Singram as gaivotas nas plagas da emoção...

Esculpe o verbo enchamescido em labirinto
Ecoa nos ouvidos a voz acesa do prazer
Nenhuma razão afaga o negro padecer.


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No labirinto

Denso punhal é o pranto, na terra
Um muro, e no muro um labirinto...
Consola-nos talvez, o ramo da alvorada
Esculpido no dorso desnudo da beleza.

Sem asas para o lirismo louco da lua
Geme o pranto, e quer torna-se deus:
Tu bebes, monstro de sombra, a sangue aceso
Que sagra o lírio sobre a adaga do caos.

Branca é a alva que esculpe a matinada,
Alberga o infinito, a face de amor
E o olhar do desejo sabe altivo propor

Mas na treva sangra a adaga da desgraça
O cego crê em outra lei, que diz seu não
À gulosa carne e à águia do coração.


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O albergue do prazer

Lânguida volúpia, albergue do paraíso
É a carne que canta e ecoa sons de prazer
Afaga o mísero, cujo único poder
É a gala do afeto, a floração do riso.

Amar e ser amado é essencial, é preciso
Além do pão sagrar o vinho, e refazer
A cada momento o hino de lazer
Para coroar o destino do triste narciso.

Enquanto impérios goza o ente rico
Sobre o dorso agitado do agora aceso
Tece a beleza o manjar do namorico

Sobre as asas do desejo, bufão teso
E a farta oferta de esplendores em flor
Expande ao mundo o lírico licor.


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O verão das musas


Goza o verão das musas, ainda é dia
De juventude: exaure o horizonte possível!
A morte guarda seu labirinto terrível;
Esculpe um intermezzo em galas de folia.

Pobre poeta, é um tesouro a ardentia
Da adoração da beleza, que em meigo nível
Confraterniza os seres na veia sempre acessível
Da carne audaz... Foge à dor sombria

Do caos do instante, cinza sob a asa
Da rubra paixão que o sentimento abrasa
E ilumina o firmamento em flores

Nesta balbúrdia voluptuosa, busca, encontro
Eleva teu fino rumo ao lírico outro
Prepara o Gran Finale à luz desses amores.


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A refrega


Oh dor que amarga a impotência absurda!
Luta o mortal pelo gozo do raro sonho
Seu ideal é fanal, tanta vez tardo,
Sobre a refrega renhida da terra rica

Se nesses mais de um reino há na parada:
Para uns o amor, a forjar um paraíso
Para outros o ouro, pleno condor de asas
Nunca nos falte a paz e o encanto da natureza!

Conquista o espírito o sábio, é preciso
Escolher talvez, ou ouro ou pousada
Ou cristal de amor circundado de paz

Ou guerra material, talvez... E na invernada
Dure o que durar a chama da paixão
Unida ao gládio atroz da babante cobiça.


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O triunfo do metal


Na esfera onde triunfa o metal louro
Vil espírito fecha boca, olhos e ouvidos
Ao brado altíssono do espírito: de nada
Vale então se amas ou odeias, se és nobre
Ou vil, coxo ou altaneiro: lá compra-se
Uma alma, duzentos almas... À voz do mando
Atas-te em corrente, não és cabeça pensante
Mas burro braço que executa, e assim
Entre hierarquias e leis, gira o mundo
Lá onde triunfas, ouro, pervertedor atroz
Das celestes harmonias... Outro é o reino
Da beleza, onde apraz viver, apraz gozar.
Lá importa se vais amar ou odiar
Se teu coração é nobre ou enfermo.
Mas, como evocar o império do ideal
Onde toda alma encontra o frio animal
E a sua fome atroz nunca é apetecida.
Fechado em si mesmo, no élan do egoísmo
Procura uma potência que os sonhos seus perfaça
Mas pensa em si somente: estes entes desconjuntos
Desejando em uníssono um reino material
Nem suspeitam a messe universal ofertada a todos.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Morna suspira a brisa


Morna suspira a brisa nesses outeiros
Vem trazer ao doce descansar promessas
Entrelaçadas ao suspiro cântico das lembranças
Fervorosas outrora, hoje esvaecidas em vago gozo.

Mas além aguardamos gráceis flores murmurosas
O vento as comove e as pétalas inspiram encantos
Até, ao rumor ancestral da cachoeira
Podeis entrelaçar-vos aos primitivos ritos

O sol e a lua relogiam os tempos propícios
Nestes seios de verdor caminhos não se negam
Quais bocas de amor em corações de mulher
São sempre propícios aos apaixonados encantos
E aos cantos que a efusão esculpe nos mundos

Após nessa espessura dormirás grato ou pasmo
Apaziguado das volúpias ou das liras
Ungido da parte que a ti escolheste
Que a lama te reserva e te oferece a terra.

O pequeno mundo dos homens aos céus naturais
De pouco em pouco a espaços se assemelha
Moram em seu seio insânias, vinganças e perfídias,
Pequenas ou grandes, de cegos rancores geradas
Que em nada cabem dos campos no sublime poema.

A natureza do ideal supremo pobre emblema
Ensina aos entes amores que nela sabem ler
Em sua perfeição a solução do humano problema
E os insuperáveis idílios do esculpido prazer.

11/06/2001


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O Império Amoroso


Tenho os olhos constelados de visões noturnas
Mulheres sem véus de lábios entreabertos
Onde estão aqueles céus cheios de aroma
Aqueles beijos que são de fogo uma redoma
E os mansos rios dos desejos mais secretos

Quando a noite, alcoviteira do infinito,
Com fresco luar nos adocica a carne
Morno silêncio traz consigo o charme
A vertigem abissal rompe as prisões
O êxtase desenha multicores revelações

Então o universo toma conta de quem ama
Sua pousada, é qual um berço dileto,
Galgam os corcéis da paixão o infinito
A exaustão dá paz ao espírito inquieto
Quando desses ardores domestico a melhor chama

Acontece ao mundo transcender a própria imagem
O oculto bem revelado promove a esperança
A hora abraça o bem e se balança
Nos carinhos lindo, a beira da viagem,
Serenidade de adulto em sorriso de criança.

Nasce a inefável flor, entre segredos
Do mundo o guia e da terra o alento
Move a fortuna e o destino negocia:
Ou a ventura ou penar do firmamento.
- Vamos, oh bela! A ocasião sempre é propicia.



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Álacre canta o coração


Álacre canta o coração pelos trigais
Rejubila livre a colher a messe
Da carne desperta em, vôos sensuais
Ao som da viração que amante amanhece

Ensolarados espaços ébrios de glória
Douram a pele desnuda dos faróis
Onde o desejo esculpe a sua história
Êxtase a florir sutis anzóis

Os ventos da paixão que afloram luas
A carnal ânsia devota às aventuras
Forja entusiasmo de volúpias nuas
Nas liberalidades tesas das loucuras

A orda dos sensuais unidos em delitos
Esparge um gemido no mundo vão:
Gozemos generosos neste mar de ritos
Servos do momento em giros de emoção.

Vênus ama os cantos plenos de beleza
Sagrando o altar das suntuosas curvas
E une o êxtase do tempo à correnteza
No tonel amoroso das jubilosas uvas.


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Os corcéis


Vem, amor, abandonemos a quimera,
Voemos nas asas de safira da canção
Que anoitece em nós o céu com viração
De riqueza sedutora e face bela.

Por ti o meu corcel se desatrela,
Por mim galopa já teu coração,
O pegaso é o heróico da emoção
Do remanso apaixonado és a estrela.

Desvelos nas graças com sedução,
E além, transfigurando o hábil gesto,
Torrentes enlaçadas no infinito da paixão!

Mas adiante sobre o enleio manifesto
Rio ébrio na celeste fluição
Do êxtase que propõe a imensidão.



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Soa suave agreste...



Soa suave agreste lira, os zéfiros
Benfazejos anunciam o verão dos anos
Revejo os passos que andei em danos
O futuro, arca virgem, mil gozos promete
O universal desejo o almeja e prenuncia

Vibre e cante em cor a jornada macia
Não punhal chacal espesso de interesseiros
Anseios turvos, clamor de poder e posses
Monstro cobiçoso a degolar a faina
Umbrosa, de sombras densas e caricia

Vibre com a pompa plena e sinuosa
Da carne em enlace de cedas fluidas
Cante o glorioso sol, lírio de formosura
Esculpindo o alto verão em lírico arroubo
Pela quadra desejosa tesa de harmonia

Langorosa desfile a estação dos beijos
Pela praia desnudante, ébria e amorosa
A boca rica de afagos, no olhar lagos
Solto o cabelo, doce a anca erradia
Vida de flor breve no instante infindo

Nascemos para gozar; a emoção secreta
Oculta em nosso seio o diz e incita
O par anseio dança de nobre astro imita
A forma tem do latente céu sagrado veio
E é pelo prazer que a esfera soluça e palpita

Nervoso, vivo, corre o sangue do azul em meio
E enquanto os astros sublimes segredam
Leis eternais no perene e altivo curso
Entre aromas e alfombras o vivedor augusto
Entreabre em gozo os lábios sem susto

A cega e torpe norma que de nós exige
Suados trabalhos, vasto suor em ondas
Tirando promove usurpadoras rondas
O escravo amarga dor em desesperos sorve
Enquanto bonança de gozo ao bem promove

Gozemos do verão o suave influxo
Baile a carne em perpétuo clarim festivo
Cante desnuda a forma em brando convívio
E o coração de um grato êxtase cativo
A unção das doces musas se ofereça.


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Longos dias


Longos dias constelados de sonhos
Vinhos e carnes em êxtases risonhos
Vagam vagas arcas leves, diluídas
No albor do sol em horas entretidas
Em louro desnudar da solitária vila
Cujo tédio expõe a maré tranqüila

Frustração de caracol fere o seio
Nubla o vasto vôo do anseio
A tênue dor dos pássaros irreais
Aporta aqui abortos de carnavais

Uma chama longínqua arde nos
Corpos livres em fulgores nus
Onde a beleza canta seus palácios
E os momentos aquilatando ócios
De prazeres ideais florescem dados
Aos passageiros vivedores deliciados.

E para pequena desgraça sensual
Flameja o sonho em pouso ideal
Onde distantes singram desejos e aves
Enquanto o lance me lacera de entraves

As tardes vagas quais urnas vazias
Encerram desertos de plagas frias
E acasos de não ter o que fazer
Cozinham de tédio os ritmos do ser



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Dorme o pastor


Dorme o pastor as horas esquecidas
O sangue do sol côa entre verdes ramas
Melancolia em luz que o verão derramas
E doce penumbra das águas entretidas
E sons manados, suave eco de aromas
Dorme o pastor nas horas esquecidas.

A natureza harpeja cânticos solenes
No majestoso ar imortal de leite
O suspiro das tardes colore de azeite
O solo, desde o pássaro aos vermes
O rito augusto da criação e, deleite:
A natureza harpeja cânticos solenes:

Ramas ao saudoso peito se entrelaçam
As virações sussuram acordes nas asas
Dos vergéis em sonatas, sonhos de gazas,
Sintonias de harpa pelas folhas dançam
O coração do segredo junto as aves
Ramas ao saudoso peito se entrelaçam

Torpor de esferas semi-extintas, sonos
Que o luar mira em visões de Arno
O caracol dos ventos desatou seu canto
Sobre a perfeita conjunção do ouro
E o mármore lunar a evocar a sombra
Torpor de esferas semi-extintas, sonos

O rebanho das constelações veste seu adorno
A égua sonoriza de patas os cascalhos
Infinitamente a terra tece as safiras e rubis
Das formas o verão cota seu contorno
O rebanho das constelações veste seu adorno.

A noite desce o albergue do segredo morno
Saltam os djins das adormecidas pupilas
Seu mármore de sonhos traz altar aos jardins
O tempo se amansa nas serenas maravilhas
A treva afaga os cristais das ancas tranqüilas
A noite desce o albergue do segredo morno.



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Próximo Ano-Perpétuo Mistério


Êxtase Sereno


Carne, minha vida perdida se achará
Noutra carne, e haja amor.
Não tenho palavras. Não quero tê-las. Estou mudo.
Para este céu, para a beleza de cada significado
Desvelar-se e encantar esta canção.
Silencio significativo onde habita ternura.
Como é raro
Deixar fluir através de si o universo.
Como é fácil:
No momento em que nos permitimos a revelação
Tudo é resplendor de clarins de aurora ou pétalas.

Quando no mais elevado eu me encontro
Tudo é possível, tudo é alcançável,
O mundo que inacessível se aparentara
Eis como agora é tangível pela mão
Consorciada aos assomos plenos do coração,
Como a tarde imensa naufraga em golfos de paz
E o desejável mundo no leve humor se apraz

Ai! Se uma força minha, universal e misteriosa
Ao parque dessa ventura de ser me atasse
Revelando nesse paraíso instantes sempre novos
Na transfiguração do êxtase sereno
Mas eis que, após o céu terreno desço
Ao banal mundo de minha luta humana
E tudo o que há pouco me era revelado
E tanto que em meu foco de luz vibrava:
O espírito em infinito, o sublime contentamento,
Eis que é fugaz – martírio do ideal!
Com esforço é mal conquistado
O que por século de agoras me fora dado.


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Brinde do Esquecimento


Um Letes denso e fundo como minha mágoa
Regando os vales do alegre esquecimento.
Nenhuma recordação! Das dores a macabra adaga
Quis matar do momento o amplo contentamento.

Do passado infernal na breve jornada isento
Cante, viaje e encante a alegria venturosa
Primavera ampla de amor donde pende a rosa
Como um pleno tesouro sem laivos e tormento.

O pranto sufoca a luz dentro do peito
Bruma sulfúrea, o azul do coração roe lento
Existe entanto um céu de envolvido alento
Na alma que chove o passado estreito.

Glauca afeição que nódoa desconhece
Onde o espaço em viração infinda
Se descortina pelas praias da memória
Compõe a paisagem com a maré linda.

Queres ver o horizonte envolto em altos sóis!
Ilude o pranto, a dor, a mágoa rancorosa.
Bem tens tesouros de lembranças por faróis.
Veleja e crê na ampla maré do amor!

Em vão chamo a ausência desses cardos?
Essas cicatrizes tem o teor de feridas. Esquece
E a dor volta; esquece, reasumo o pranto;
A morte das horas renasce-esquecer, quem, esquece?

O sono cai sobre o passado como um oásis.


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Rosa da tarde


Nos ecos da tarde esquecida
Desligamento de agora
Comprometimento de amor

Sobe o aroma da luz
Reposteiros de segredo
Ou esperam ao sol posto

O amor não tem desgosto
Quando na tarde esquecida
Eterniza a flor de uma vida.

29/08/1999



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O Pacto Dual


O homem faz o pacto com céu e inferno
Na esperança sôfrega de tudo abraçar
Da base ao cume do espiral eterno
Entre os extremos sempre a vacilar

O mal inevitável aos poucos o tempera
O bem irresistível em assaltos o embalsama
Uma moeda suja o turba quando onera
E um valor sem preço o banha quando ama

Satã e os anjos a alma incerta lhe disputam
Cada força tem nele demarcado território
Quais temporal e calmaria o exultam
Equilibrista manco, hábil, aplaudido e inglório

Ébrio do caos ou lúcido de infinito
Primavera de amor ou pranto que neva
O curso perpétuo do inexorável rio secreto
Ao seu capricho o afeiçoa e leva

Entanto se desperta tem nas mãos o leme audaz
Do espírito e sentidos caem aduladores véus
Dizem que então escarnece de Satanás....
Dizem que veste então a luz dos céus...


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Fumo de quimera



Fumo de quimera
Esvais dos olhos meus
Para que em todo fulgor resplandeça
A recôndita e sagrada centelha
Chama da vida

Assim, sem pensamentos enganosos
Que os horizontes toldam,
Nem julgamentos falidos
Antes mesmo de pronunciados,
Sem medos fantasmas e não tolos,
Vivamos a breve flor do instante
Que tesouros emana
Em sua secreta potência.

Eu quero viver e tu queres viver
Sejamos, pois, afáveis, graciosos,
Vivos! Humanamente comovidos e vivos
Com todas as carícias e humanidade
Oferecendo à graça irmanada
Da nossa enternecida
Sempre a mais bela prenda
O mais alto valor
De nosso amor

A todos é dado o dom da vida
Basta ter olhos límpidos e claros
E confessar-se bem ciente o afã
E professar-se sem maldade o hino

Ricamente dotada de conforto
A vida é a redenção do torvo
E a remuneração do ardente e belo
Pulsar vivaz da alma generosa
Na benção da sua grata confraternização.

05/09/1999



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A Batalha Oculta


Para abrandar-me a cólera feroz
O hino extenso inexplicável da beleza,
O mínimo gesto e as coisas sem voz
Cristais nus de amor e profundeza

Esse téte-a-téte imenso que convive
Dois seres numa carne convergidos,
A luz pura que nos campos vive
E a flora segredada dos sentidos.

Sangue e ar libados em êxtase,
Palavra e silêncio, prodígios de amor,
A essência humana, a múltipla linguagem,
E o mistério ideal manifesto na flor.

Carícias em virgem triunfo de alvorada,
Ritmos sabedores, ébrios e dissolutos,
Tal no Te Deum a floração sagrada
E nas bocas mudanças gorjeios astutos.

Tudo, oh Deus! Oh humanidade em delíquio!
Tudo que extinga o bobo fratricida
Que abisma de adagas precioso colóquio
Mordendo em asco a fonte da vida.

O suave encanto suplante o monstro atroz
E o amor se adube da carcaça informe.
Pela noite transfigurada oculta voz
Sussurra o segredo redentor ao homem.

11/09/1999



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Duas Instâncias Universais

I.


Feroz é o mundo de uivantes garras
Feroz é o mortal e inclemente seu desejo
Apazigua a contenda atroz a rosa do beijo
Mas a beleza sem voz tece suas amarras

No caminho do ente egoísta sempre há escolhos
Pouco ouro, muito ouro, inércia ou ação
Inferno miserável ou doce remanso da canção
Tudo verte dor ante os viciados olhos

O coração puro e o espírito em nobre paz
Eis o relicário que conduz a felicidade
Que borda divã de gozo e de amenidade
E gera amor e abranda o lobo voraz

Mas o mortal quer o ouro, o poder, quer reinar!
Em nome do trono impõe correntes, potestades
Que a todos tem escravos: são as humanidades
Escravas do sistema e vítimas do penar.

Não aprende o juiz e não endireita o réu,
Pasmaceira universal, todos querem se alegrar
Uns na mansão do ostentar, outros a hora a divagar,
Entre um vinho escasso e um pão sem céu.

Mas salva-nos, mantêm-nos a exata medida
Do pouco amor em que voamos em asas
Ele mantém o espírito lúcido entre as brasas
Da luxúria, e os escolhos da terra aguerrida.

Esse amor pelos nossos, dom entre todos grato
Em meio ao gume do ouro e a espuma do suplício
Que cante em tavernas a loucura e o vício.
E afague eloqüente o zelo ao maldito fato.

O homem navega, o oceano é risonho e atroz
Sucedem-se as vagas colorindo o vasto tropel
O pranto é um beco e a alvorada é o mel
Que escorre do mundo qual bandeira sem voz.

Sente o eco da alvorada no coração amante
E bebe o teu cálix de luz e mel de aromas
Ama a tarde, afaga a noite cujas redomas
Ousam anestesiar a cruz do horizonte.



II.

Cavalga ousado...


Cavalga ousado os corcéis da aurora!
Bebe o licor da orgia ou ama deveras
Se os mortais não podem senão ser feras
Doma a coxa de mel, o gozo das horas!

Que a bondade seja teu soberano escudo
Mais que o ouro e o poder, ganha a bondade
O felicíssimo conforto que anseia a humanidade
E o grande amor velado que fecunda tudo.

Clama o capitão do amor: Avante! até
Onde nos leve o mar no cais da loucura,
A alma quer luz, a impossibilidade é escura,
E o amor é porto e mar, é onda e é maré.

Avança pelo azul! Singra a rima cadente!
O espaço é amplo, o templo belo, o amor um hino...
Mas oh! Obscura esfera incerta do destino
Que o mortal odeie, cobiçoso e indecente.

Que em meio ao mar haja o escolho, que
Em meio do êxtase haja a convulsão, e até
No melhor um cisco do pior se encontre, é
De pasmar de dor e inquirir o atroz porquê.

Para a felicidade gerado do amor nascido,
O destino do mortal era a enormidade,
Mas quis o monstro cagar na enormidade
E o azul baldar em grades e fatal ouvido.


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A busca incessante...

A busca incessante pelo gozo carnal
Na brevidade da juventude e da vida
E sempre o ouro a traficar a beleza
Vende-se ao interesse a musa, o prazer
Sedicia meio mundo, e o amor cuja voz
Celeste compõe a melhor parte do mortal.

Prateia suavemente a solidão entre verdes
Remansos, abranda-se o desejo mais urgente
Sucede o tempo de paz ao gozo inclemente.
Quanto são egoístas as pessoas, ante o pão
Da vida, feito melhor se dividido, e contendo
Quanta desigualdade de asas e quão vasto
O sonho...alguns, feito humildes até na esperança
Lutam ferozmente pela posse do mínimo:
São os desvalidos; outros voam vastamente e
Nada lhes basta, ficam estupefatos ao ouvir
O não; muitos deles se tornam no fim ditadores
Ou carrascos, e poucos se lembram de serem felizes.

Lembrar-te de ser feliz, imperador
Ou mendigo! Constrói para ti fora da luta
Um doce remanso ao som de sonorosas aves.


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O vale da quimera

Oh mundo, que és o vale da quimera!
Quantos cegos obtusos lutam em confusão
Gládio atroz, que alicia e vitupera,
Enquanto inculto dorme o divino coração.

Das paixões o tropel insano e extenso
Refletem o egoísmo mudo, impassível,
O docel do amor estende a mão, suspenso
Em vão, no arcano de uma vaidade sensível.

De um trono a espera pena o vivedor
Nem concebe que reino lhe seja grato amor
Sonha com palácios de ouro, com catedral
De poder, ao som do instinto ancestral.

Enquanto não evolui, apegado a matéria
Sobre o capricho dos corcéis da carne,
Não concebe do azul o alto carme
E a piada grotesca toma por anedota séria.

Aos seus afaga, à turba indiferente,
E ao inimigo opõe a cruel serpente,
Monstro feroz cujo ovante veneno
Precipita o gratuito inimigo no inferno.

Tudo escraviza: labor, ócio, pensamento....
Falho de razão, apoiado no sentimento
Essa selva ancilosa insulta o Prometheu,
E sonha a imensidade de voar no céu.

Se ergue asa e voa um tanto é devasso
Não segue a moral que férvido apregoa,
Depois da orgia, o látego do cansasso,
Anseia o mar singrar em êxtase a toa.

No horizonte de cego obscuro esbarra
Com as catedrais do amor talhadas em sossego
Não as penetra, e se tem um aconchego
Logo transmuta a serenidade em farra.

Sonha ser Deus... Oh basta! Do mundo
O enredo obtuso não quero desfiar.
Antes prefiro o insenso ante o altar
E o gozo da sensatez, em paz jucundo.

sábado, 17 de maio de 2008

A Tarde Morre

A tarde morre, agonizando,
O sol abandona os campos vistosos
No ocaso mergulhando
A imensa águia da vida
Suas asas cintilantes verga, e se dirige
Ao oriente meditador.

A falta de reflexão, somada à noite
Faz brotar agora de meu peito
A mais profunda treva,
Enquanto no místico oriente
Um dançarino espiritual dança
Ao som do mais celestial compasso.

A luz que tão longe se espalha!
Ah! Ela não sabe fingir a si mesma,
E não sabe tecer invenções
E loucos devaneios
Como a virgem incauta, o cálido poeta
E os amantes da dúvida.

Poema Reflexivo

Olha e vê como a vida viva
deriva aos poucos no eterno abismo
fundo e quieto da morte,
e vê, como tudo, a cada instante
mais que no outro cobiça
o brando repouso.
Mais do seu fim se aproxima
mais compreende a finalidade
da existência, esse ardor,
e mais ama
a água que acalma o fogo.

Lê o meu nome gravado nos astros
Chora comigo, ri também,
Não vá tocar-te o último suspiro da brisa
Não deixa soprar o derradeiro vento
a acariciar tua face, sem antes
ao menos teres vivido
essa pergunta que se responde,
mas nunca temos por respondida:
A vida!

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Caso do Sempre


Por vires do sonhado amor antigo
Que a sombra de ti esperava dormindo
Terei pra ti eternamente abrigo
Carícia ideal e afã comovido.

Por seres esse ideal de ventura
Sendo tu quem és, de amor na palestra,
A distância mudares em ternura
Que o desejo de encontro manifesta.

Por essa realidade da criatura
Sempre amada, eu e tu, muito a sós,
E por outras talvez mais ignotas...

Caso de amor! Espelho de luz pura!
Eu rasgarei a vida em tiras rotas
Na hora que tudo se acabe entre nós.




Rico Ventre Puro


Rico ventre que jamais me parirá
Seios opulentos que na paz alento
Brancas frases de graça, pelas quais sou servil
Boca encantante onde ressoa a manhã
Ri nesta sorte que propõe que amemos
Pássaros e graças – e que é ninho de delícias

Dança o paraíso debutante em bom momento
Encerrando no busto o balanço de versos nus
Pousadas, reposteiros, alcovas de confessos sangues,
Macias coxas infantes, porém cheias de maré
Que te assustas com o ato novo e ardente
E rebrilhas deslumbrada em tua secreta cama

Ao som murmurante das desveladas entregas
Flutuas semelhante aos hinos que alvorecem
Tal como o apreço das noivas flagrantes
Menina amanhecida aos ecos da cadência nua
Rica boca pura, de carnalidades inocente,
Que do ventre fecundo palpitante estua.

As rosas da manhã ofertam carnais segredos
Despidas da marca dos orgasmos antigos
Estremecimentos deliciam delirantemente castos
O conhecido desconhecido ante o qual tem medos
Move rios e abraça montes a pura graça
Esquecida, desdenhada da volúpia e da desgraça

Para lembrar-me de ti sempre estremecimentos brandos
Aflorarão o suave recesso das memórias
Entre gozos de paz ou crus ressentimentos miserandos
Lembrar-me da pureza imácula a pétala de glórias
E ao som da lua quebrada nos riachos
Amar amores novos sob os teus mais baixos

Emana do teu reino azul flores formosas
Ensaia o gesto de pudor das margaridas
Para o sábio Mefistófeles transfeito em faustos
Rico Ventre, retardemos a hora da partida,
Que após a arca dos gozos entreabrir mil mundos
Faz a alma nobre e a terra humana apetecida.

06/08/1999




Soneto de Amor no Século XXI


Oh tu que tens nos olhos o negro da noite escura
Cheia de mistérios, cheia de doçura
Apraz perder-me em teu corpo, encarnação da lua
Apraz achar-me em tua alma, porque te traz ventura.

Um dia, molemente recostado a tua sombra
Vou excruciar teu ser de prazer junto a alfombra
O amor é infinito, não tens um medo sequer
Belas, há outras, nenhuma é mais mulher.

Se uma parte nossa se velasse, sinto
Que seria belo como um véu no infinito
E teria o chiste afável da alegria

Que torna o mundo real melhor que a fantasia
E por capricho, e para completar o soneto,
Como o amor torna um século obsoleto!




Os Inocentes


Ninguém vos conjurou esse segredo
Sois todos inocentes, todos puros
Que vos ama a esperança e teme o medo
E vos anseiam os lírios do futuro.

Sediciados pela ronda costumeira
Do prazer na ébria lucidez
O riso espesso de paixão e languidês
Qual do perfume a voz aventureira.

Adorais a infâmia, pescais sem consciência
Exibindo n’alva cutis da vivência
As “astutas” medalhas do cataclismo

Crianças inclinadas ao horror do abismo
Que brincais de crimes e fingis demência
Inocentes da imácula inocência.




Suave Maio


Deixa maio desatar seus cantos
Em flor, suspirar a doce aragem
Peregrina, pelos castelos dos encantos
Nos albergues segredados da ramagem
Esquecer-se longamente aos raios
Mansos da harpa do poente terno
Entre as copas de verdores derramada
Em tremular de pombas quietas
Dolentes fragmentos de asas
Que sonorizam pelo ermo
O ar em torno apaziguado.

A última estrela suspira o canto
Prelúdio das veludosas noites
Onde a lua alerta os desmaios
Os suspiros de amor da madrugada
Oh deixa a lua sonhar seu canto
Entre o verdor das intimas ramadas
Quando a negra serenata do encanto
Dorme ao relento e segreda a alvorada
Dos íntimos presságios e misteriosos lidos
Continentes da longa treva enamorada
A longa noite transfigurada.

Deixa maio constelar de encantos
A face de suspiros iluminada
E deslizar a horda de seus cantos
Pela boca de luares delicada
Maio é o dançarino em flama enfeitiçada
Roça suavemente os rosais do alento
Bóia leve na hora apaixonada.




Os Jardins de Eva

I – O Reino e as Dominações


Fitava Eva indolente os seus jardins
Devaneando volúpias perfumosas
A alegre graça dos sabores afins
A professar sobre o divã das rosas.

Pagens, devotos carnais ou querubins
Enchendo o silêncio de ecos maviosos
Imitavam domadores langorosos
Servindo a fera com carícias e assins.

A bela espreguiçou sobre os despojos
E tão rica, sofreu sua atroz miséria,
Destino fatal dos seres desejosos.

Entre risos dados fácil fez-se séria
Toda essa paixão, homens sediciosos,
Nem sempre vale paraísos amorosos

_____________________________

Crescer em agito e ruído útil
E outro tanto crescer em vida fútil
Ser independente, e ir pela cidade
E ir também entre a mulheridade
Que teria ao meu dispor em suas tabas

Caminhar bem neste mundo das diabas
Onde tudo é sacanagem, safadeza e apego
Incluído aí talvez o meu amor maior
Ou mesmo minha malícia, que é menor,
Um mar de guerra e um ponto de sossego

Eu partirei: desprezo o quimérico medo, e ousado
Eu chegarei a esse mundo de mil curvas sinuosas
Com meu traje de ocasião composto em nu e rosas
E de vós serei o acompanhante e o acompanhado

Aos meus olhares poderosos, meus assomos
Gozarei em nossos olhos, ah! amores...
Eu vos amarei sempre assim, loucas flores
A estancar a loucura do pranto e seus pomos,
Em nossos risos desatados pelo vento

E se houver do merecimento aquela lei,
Um amante tão igual a quem me ama
Serei, enquanto a luz conserve a chama,
E de vós conforme, em pedra, lírio lento
Ou memória perenal me tornarei.




Enternecido Oásis


A calma intensa que afaga o paraíso
Qual na tarde imensa a brisa suave
Fazem da vida o ninho e do ser a ave
Como se nenhum outro bem fora preciso

Cessa a cobiça, no ventre rico dos poentes
Dorme o pranto, o infinito toma a alma
Belo o ar e o sol de viva palma
Natureza, manancial de paraísos contundentes

Goza a ventura presente o peito generoso
Qual do extenso mar o ardor sereno
Que ao sol banha o libertário gozo
E ao luar desnuda o espelho ameno.

Sei as plumas mais suaves da benção
E do amor nu o oásis de sublime rito
Morro e renasço no mistério infinito
Espargindo hinos na pátria do coração

Tal como o belo som da natureza
Que afaga em confissão as praias transparentes
Meu peito é um destino, arca da beleza,
Onde acontecem musas e fatos transcedentes.

Ou sobretudo o devoto seio opulento
Daquela que amo e que nos faz viver,
Calma, benção, mistério, sentimento,
Universo de amor, afirmação do ser.



_____________________________


Distribui amor


Distribui amor a luz sublime
Entre todos os seres bem supremo
Cujo albergue soberano de afetos
Em doce paz conforta e redime

Sente-o em teu ser, pulsação plena
Que em gratas ondas de anelo anima
Com espiritual inspiração divina
Amor de jubilo que tudo invade

Abençoado éter de sagrada chama
Bela forma de perfeição e alento
Da-me a mão, bondoso contentamento
Vivo! Sinto-o agora no peito

Corajoso mensageiro da aliança
Lúcido entendedor e nunca cego
De um lance os altos céus descerra
De par em par os portais venturosos

Gera a compreensão nobre do afeto
Coroa de eternidade grata o suceder
Dos anos transitórios, vinga de bênçãos,
Edifica a saga do tempo com firmeza

Tudo expressa em sons cheios, claros
A lira doa amor, de mérito argumento
Coroada de valor firme e brando trato
Honestidade e benefício.

Sincero esparja em doce confissão
Amor, um bem que a fonte cara torna
Com oferenda semelhante à flor
Quando pelos campos a messe desabrocha

Para multiplicar-se a fonte torna
Quão formosos és, canto de amores
Fecundado de liras e mistérios
Encerrando no escrínio altos impérios

Esperança, mãe parteira do sonho;
Deus do humano, encontro essencial;
Farol de alento, perene manancial;
Nau que rege a sorte e as marés;

Entrega-te a amor, se humana és
Devoto escravo triunfal dos seus cuidados
Que terás todos os reinos dominados
Que sem amor tuas misérias és

Decanta amor a ouvidos amorosos
Prospera nos corações e lares faz
Amor, regedor do bem, que tudo podes
Consorcia-te à nobreza audaz.
Doces elos invisíveis os entes afeiçoam
Com brandura ânimos enternecem
Sem jogar, os ganhadores presenteiam
Sábios de que por sua riqueza todos merecem

A sinceridade a gratidão flori no seio
Espontâneos rios que inspiram alvoradas
Irresistível sedução de puro anseio
Vaga pelo albergue caro das tramas perfumadas
As horas, palacetes do infinito
Dormem no peito, o alentam em segredo
Benévolo e reto da esperança
Farol triunfal enchameia as ondas ledas




Adubo de luz

Redenção do augusto conhecimento amoroso
Conduz o povo destinado à imensidade
Forte para liberdade, audaz para o beneficio
Com a coragem do coração e o acerto da verdade
Nobreza que aos bons caminhos e frutos sãos
Conduzes a grandeza pelos montes despertada
A quem tudo se adora com louvores malsãos.

Rios de volúpia quando no amor deságuam
Cumplicidade do ato que grava a eternidade
Aconchego de mil mundos nus, posto em segredo



As Idéias


Volve à Pátria dos sagrados assomos
Oh ardente ser como os espaços pleno
Ecoa as fulgentes esferas na luz, arrebatado
Enreda os mundos em amoroso canto
Que as tens perenes de harmonia urdidos
E em ternos alazões sensuais libertos

Augusta paz, os lumes da existência purifica,
Nestes ermos floridos de intimas lembranças
Onde apraz entre encantos colher as esperanças
Renovar os ternos júbilos em hinos comovidos

As bocas são rastros de oboés de opala
Cancionetantes safiras, pássaros de alvoradas,
Quando as horas se debruçam enamoradas
E o fresco hálito dos infinitos resvala
Temos de amor motivos envolventes
Assombros de paixão, aquarelas da existência
Onde as harpas do afeto colhem transcendência
E volúpias segredadas, deusas contundentes
Onde, quer entre fontes, riachos, rios caudalosos
Inebriados arrulhos das pombas do oceano
As asas do tempo são templos sagrados
O coração e a beleza divinais arcanos
Ouve, oh espírito, o rumor dos sois enamorados
Resvalando nas cândidas ancas de acesas luas
Alteia um som consorte em beijos enlaçados
Bebe a compreensão, a paz o amor das flores nuas.

E esses equívocos valores errôneos e confusos
De que se defende a sociedade em vãos delírios
Sejam superados aos êxtases clarões profusos
No cardume das caricias e procissões de lírios
Nos difusos cânticos das arcas apaixonadas
Qual multidões de rolas libérrimas, e amadas
Razões sentimentais, que esvoaçais ao léu,
Que acendem os enamorados no camping do céu.

Mas para que o archote melhor brilhe, comovido
E nas balsas expandido e entretido entre ermos
Unge-te amante dos palácios dos sentidos
Abandonando os caprinos urros enfermos.
Ou antes, atira-te as profusas aventuras
Ao corrente cascatear das vagas sucessivas
Ao gosto do século pagão das sensitivas
Feroz êxtase, em delitos modelados
Na ânsia de viver em gozos numerosos
Vive a procura quem desconhece os portos sagrados
E quem em peregrinas harmonias não se esquece.

Oh! Canção! Aos altamados portais afeiçoada
Alimentada de monumentais celestialidades
As supremas paragens do céu como são frias
Se não gozais sofregamente ardentias,
E paixões humanas em redomas perfumadas.




Elegia Bucólica


Vozes íntimas que estalais da Veiga
Buquê de memórias dos instantes caros
Transbordai do coração na estância meiga
Na essência tranqüila dos perfumes raros
Que trescalam as efusões dos êxtases perfeitos

Claro céu, espelho dos sublimes remansos,
Rede de albergais o hino e o pejo,
Dolentes são os castos encantos
Sem busca de falos ou curvas de beijo
Em inocência descanse, pois ante o santuário

No regaço redentor, regenerador da natureza,
Sem passado e sem futuro mergulha o presente
Imensos são os glaucos hinos sossegados
Boiando a flor da amplidão suspensa
Ecoam suavemente na grata alma
De clarões e de amplas calmarias expandido

Sinto o calado rumorejar dos ares
O intimista perfume dos segredos
As aves que aportam sonorosas
Os acordes violoncelados das esferas

Violoncelos ao luar e a tua boca
Sob parreirais ou carramanchões extáticos
Pouco importa a hora, é de infinito
O êxtase dos pardais voa no peito ilimitado
As ternuras com os verdes ramos se entrelaçam

O bálsamo da manhã como tem ternuras
Como se exalta em perfeições lânguida a tarde
O poente nos envolve em sangues de confissões
E a noite em remansos de estrelas adormece
Embalando no seio o criador generoso
E a grata criatura, extasiada de sua essência.

Pede o feliz anjo que o mundo tumultuoso
Ao berço dos esplendores se assemelhe
Que flua manso qual terno regato
Que com os corcéis da alvorada se emparelhe
Bocas, alentai-vos nos êxtases sagrados
Hinos, esvoçai ondeantes de comovidos olhos
E vós instantes, sê intimamente amados
Nos castelos ideais de lânguidos desvelos

A natureza, essa mulher serena e augusta
A todos os filhos bendita em paz acolhe
Transbordam de sua vasta alma generosa
Cardumes de alentos, formosas belezas,
Insuperáveis consolos aos humanos tormentos

Tudo em seu plácido albergue são contentamentos
Sereníssimas vozes de luz e paraísos
Qual a caricia grata dos sorrisos
Qual o mimoso enredo dos aromas
São as veigas de esmeralda, os ares de diamante.

domingo, 6 de abril de 2008

O Amor e o Ouro

Asas plenas, rumemos ao encontro,
É participação, celebrando o momento
Eleva-se ao azul o lírico pensamento
Segreda aos astros as razões de amar
E gera o sentimento, em cujo ímo santo
É a esfera um hino de suave acalanto
O vivedor navega em intermezzo de paz
No templo do amor, quando a liberdade apraz.

O amor redime desde o melhor ao mais vil
Cantam, infundem loas as celestes harmonias
Encharmescidas ondas de alvas erradias
Esculpem a aurora no reflexo do luar
Une pares e povo, compõe banquetes, festas
Afasta para o caos as hordas funestas
Das lamentações, em seu manto tece
Perpétua luz que em júbilos amanhece.

Escravos das paixões, querem os homens reinar;
O que soa-lhes o ouro com voz melosa e macia?
- “Abro-te o arcano dos mundos, a arca erradia
Dos prazeres contundentes de ter!” Ele evoca
A felicidade da posse, augusta calmaria
Por onde a segurança confortos alicia
Ele vence as consciências em dourado matiz
A necessidade gera e ao mendigo maldiz.

Na densa treva anseiam os seres a luz
O amor promove à claridade mundos
Êxtases primaveris, prazeres tão jucundos
Afasta para longe de ti o severo juiz
Que profana o templo sacro das segundos
Com seus escarros insanos, absurdos
Voa no amor e no ouro, consorciados
Tornando os instantes líricos e sagrados.

A Sabedoria da Bondade

Os homens não se pertencem; ninguém doma o destino
Esforçado para tal, luta o mais hábil de todos
Em vão, são obscuros os ditados da sorte
Desde o berço estamos marcados: esse nasce
Na abastança, aquele outro na miséria
E no transcurso do tempo casos e acasos
Forjam o mundo de cada um; oh tu
Rico ou pobre, belo ou feio, sê sábio!
Pratica o bem, nunca leses ninguém; hoje
Ou amanhã, vindo do profundo mistério
Chega o dia das lamentações, e se sorris
Deves agradecer: sê bondoso, tem piedade
E sê compassivo: aborta o teu ódio atroz
Deserda a vingança, não leves tão a sério
A ofensa, poupa o velho e a criança, o adulto
Não te julgues tão senhor da dita ao ponto
De seres intocável do revés, não desprezes
O que tem sorte pior; em vão adulas o ouro
Ou és dele o escolhido; a maldade cavalga
A sombra do imperador, o oculto inimigo
Não quer ver ninguém bem, ele exulta em
Fazer o mal, aborrece-o teu sorriso
Ele odeia a tua ventura e labuta
No dano teu – vindo da quimera e do capricho
Escuto retinir no solo o negro corcel da mágoa
Que conduz o espectro do rancor à ação medonha:
Se estes vilões do dolo serão um dia punidos
Após a morte talvez, quem o sabe? Eles forjam
O dano ao culpado e ao inocente, sem distinguir...
Se este te fere; como reconhecer com alegre
Volúpia, aquele que te oferta a amizade ou
Ou o amor, ou o prazer? Como saber da aurora
Do dia desejado!? Quem pode deter a tétrica cavalgada
Do mal, e albergar o bem em sua doce cota?
Qual agraciado pode ser ileso a dor, ou
Qual mendigo não pode ganhar na loteria, ou
Ainda, qual o mortal que sabe do amanhã;
Futuro, denso mistério, portal obscuro!
Mortal, paga-te desde já com tua bondade!!

O Sonho de Reinar

O sonho de reinar, capricho sério
Ignora o império do aqui presente
No claro céu azul o esplendor etéreo
O mundo a verdejar no bosque: a mente
Constrói castelos, quer os portais abertos
Donde voem audazes desejos secretos.

Além, a quimera canta sua ária veludosa
Doura o momento de amplos poderes,
Não te basta a rosa colher dos seres
Ou o pitoresco alarde da venal mariposa?
Não; é preciso singrar além do possível
O muro fere o ideal, ave sensível.

Não vive o mundo da trama dos sonhos
Antes, convulso, só tem espinho e peçonhos
Latego cruel espanca a fada noturna
Cujos feitiços tecem paraísos risonhos
Mas eis que surge a saga humana diurna
E a esperança se abate em grotesca furna.

Um vendaval soturno envolve a luta
E a incerteza tece, em voz cava e astuta
A lei do cão que forja o gesto atroz
Tanto sonho dourado morre sem voz
Tanto mágico enleio sucumbe na garganta
Do reino cruento, do reino feroz.

Um mundo ideal é a abundancia, até
Ser provada em osso, seu rei, seus dilemas!
Cada classe possui seus próprios problemas
Cada face da vida que sorri é
Contraface a uma dor, cujos emblemas
Oculta a dor velada, e do inferno a fé!

Clamores do sangue das manhãs

Os estandartes do sol em glória altiva
Reverberam pelas urnas do espaço
Um clamor de ouro, pompa de aço
Voa na tarde esplendorosa e volitiva.

A crista de cristal abre lírica crisálida
Soa suavemente o missal do peregrino
Incerta é a saga, a sanha do destino
Amorosa a esfera da mulher, ardente ou pálida.

Nunca se exaure do mundo a maravilha
Sagra-a alegremente a voz do ermo em festa
Vozes de opala e rubi na lira da orquestra
Tecem a grande prece da manhã tranqüila.

Quer o mundo em ondas loucas de desejo
Pulsa-lhe a artéria, voa-lhe a voz em silvo
Todo um sensual alarde clamoroso e vivo
Ascende na harpa eclética do beijo.

É o momento, arca aberta ao entusiasmo
Que esculpe a prece de flor no seio aceso
E sua luta, que nunca deixa o mortal ileso
Aos anjos mais clementes causa assombro e pasmo.

Vibre agora à tarde em pompa de asa
Cante o jogral o seu lirismo aceso
Esculpe a terra seu paroxismo teso
Sobre a guerra macabra e louca brasa.

Não se extinguirá dos astros a harmonia
Sobre as pontes do acaso em asa seleta
A vida almeja a aurora lúcida e concreta
Sobre a palheta do caos e sua adaga sombria.

Os estandartes do sol em glória altiva
Reverberam pelas urnas do espaço
Um clamor de ouro, pompa de aço
Voa na tarde esplendorosa e volitiva.

A crista de cristal abre lírica crisálida
Soa suavemente o missal do peregrino
Incerta é a saga, a sanha do destino
Amorosa a esfera da mulher, ardente ou pálida.

Nunca se exaure do mundo a maravilha
Sagra-a alegremente a voz do ermo em festa
Vozes de opala e rubi na lira da orquestra
Tecem a grande prece da manhã tranqüila.

Quer o mundo em ondas loucas de desejo
Pulsa-lhe a artéria, voa-lhe a voz em silvo
Todo um sensual alarde clamoroso e vivo
Ascende na harpa eclética do beijo.

É o momento, arca aberta ao entusiasmo
Que esculpe a prece de flor no seio aceso
E sua luta, que nunca deixa o mortal ileso
Aos anjos mais clementes causa assombro e pasmo.

Vibre agora à tarde em pompa de asa
Cante o jogral o seu lirismo aceso
Esculpe a terra seu paroxismo teso
Sobre a guerra macabra e louca brasa.

Não se extinguirá dos astros a harmonia
Sobre as pontes do acaso em asa seleta
A vida almeja a aurora lúcida e concreta
Sobre a palheta do caos e sua adaga sombria.

Sono Deleitoso

Da noite o perfume afaga-me os sentidos
Suave brisa ante os delírios noturnos dança
Eu que da orgia abandonei as esperanças
E alberguei a lírica paz dos entes comovidos.

Talvez agora em seus hinos mais decaídos
Cante a orgia, dançarina de sensuais nuanças
Ou a escultura louca cavalgue as andanças
De um cavaleiro de dinheiros e brocados.

A mim cabe a calma clamorosa da vaga
Treva doce e cadente, o verso esculpido,
Aurora de veludo ou vingança de adaga.

O templo do alto amor me foi oferecido
Pelos filtros celestiais de oferecida maga
E durmo em seus braços a tempo falido.

Dia Glorioso

A glória sem par do azul ébrio de sol
Cantarola alegre pelas rútilas asas do dia
Exclama em meio ao pranto uma harmonia
Que aos uivos da noite dê guarida e farol.

Amanhece o mundo em seu lírico crisol
Supondo aurora a humanidade; a erradia
Vontade de singrar, ergue a flama vadia
Constelando de delírios a saga do arrebol.

São preces que a dor soturna e seus nuances
Nunca albergarão; idílicos romances
Capazes de converter a mágoa em hosana.

Goza o espaço toda uma unção de hinos
Que sobre a saga transitória dos destinos
Inunda de júbilo as preces de quem ama.

O impossível Ideal

Covarde e cruel, o inimigo que te punge
Antro de orgulho ante a cadência do azul
Cujo riso é como a prostituta que finge
Decifra essa esfinge e seu fatal paúl!

Humanidade, de asas curtas, restringe
O largo sonho de um albergue do sul
A ampulheta do tempo, que cinge
A tumba do espaço em hibernal friúl.

Quiséramos um reino, algum principado
Talvez, que afogue o orgulho cruel
Que converte em privações o mel.

E aborto o prêmio da sorte! É pecado
Amar? Essa é a razão cujo fel
As eras do amor tem em pranto tornado.

O Limite do Verbo

Ao som pomposo o verbo mente
Ornado de mil galas, decanta essências
Cravados no cerne mesmo das vivências
Como se fosse novela a vida latente

A pulsar, e o altanado verbo eloqüente
Um resumo das mais sutis experiências
Um retrato de lucidez e de demências
Em ritmo exato, rimado, cadente

Pode a estirpe de Vênus caber no medido
Porte do verso, e a pugilista sociedade?
O eterno escapa do instante aguerrido

O momento de ouro por harpas tangido
Não reflete o vasto mar da humanidade
Pago infindo de exuberante variedade.

A Messe Gratuita

Palmo por palmo luta o vivedor
Mas o ouro das tardes nada lhe custa
Batalha atroz, ave de garra adusta
Necessitado da matéria e do sublime amor

Tenha as constelações líricas a seu favor
O sol que os astros menestréis ofusca
A reviravolta da incerteza lhe é brusca
E o destino nem sempre está a seu dispor

Lute ignorando as claras leis dos anjos
Em estrídulo feroz, em egoísticos arranjos
Sua alma lembra-lhe a origem divina

Alma que cantas na catedral dos arcanjos
Que sobrepuja os temporais, peregrina...
E se eleva sobre acaso e percalços da sina

Esperança de Amor

Esperança de amor que me tens composto
Altivo quadro onde ridentes rosas
Incitam as auroras líricas, formosas...
E o bando dos corcéis sobre o luar de Agosto

Mata essa mágoa acerba, cujo desgosto
Fere a canção do caos, dura, extremosa,
Perfaz em benção a esfera dadivosa
Que entretém os amantes com suave gosto

Só de esperança e de deslumbre de beleza
É composta a mansão do lírico abandono
Que assim comove de esplendor a natureza

Mas a incerteza mata o tempo, traz o dano
E onde se supunha mais indômita correnteza
Mora um orgulho acerbo, desumano.

O Inimigo

Adaga oculta em flores, eis o inimigo,
A voz acaricia e o gesto oculto fere
Monstro de acerbas garras, teu perigo
É a turbação que ao cauto onere

Alegre ante os suplícios de um jazigo
Onde a própria altivez se desespere
Impondo o teu veneno ao puro figo
E o ósculo de amor que o verão tempere

Na lei do ódio tem empenho
Por mais que o rival então lhe ria
Adagas tem afiadas de cruel engenho

Converte, oh tempo, o mal em cinza fria...
Que em danos desse lobo à juventude tenho
Mas faz que raie mais serena a cotovia.

Soneto das Compensações

Se o mundo é um palácio de degredo
E a carne uma alvorada turva e fria
E a mágoa cavalga a vingança sómbria
E nos arrebata o alto prêmio o medo,

Crê nesta manhã que a juventude promete
A dor em lírios virginais de amor converte
Propõe um nobre zelo aos caros anos
São valorosos os afetos esculpidos soberanos

Suave lira um som de amor em rosas verte
Congratula-te a colher essa passagem de anos
A messe tem os seres mais exigentes comovido

Seu germe de flor os outonos acaricia
Veste de lua a primavera louca erradia
E aos mais raros desejos traz doce partido.

O Domador do Mundo

O ouro torna doce a adaga do momento
Suavemente o ímpeto realiza e consola
Encerra a alta harmonia que azul evola
A gama do diamante, o matiz do sentimento

O ouro torna plenas as asas do sedento
Desejo humano e o seu afago controla...
A dor das dores, e sua sublime esmola...
Nos astros do esplendor põe paz, memento,

O ouro afaga a tarde e a purifica
Esculpe aurora esplendorosa, rica
Na morte devassa a raiar sobre o cais

Bom na desgraça e bom nos carnavais
O ouro forja a sua verdade e fica
Domando o mundo em hinos sensuais.

A dor da solidão

Palácio de degredo e de procela
A dor da solidão fere o azul
Firmamento e o gosto prenhe de sul
Que os sensuais corcéis desatrela.

É a magoa de ausente que descabela,
É um vulcão em hibernal friúl,
Um masturbante doente de paúl
Que alucina e em mortes reverbera.

Roeis o crânio em vácuo fundo, atroz
Impões o ardor ao nada mais feroz
Compões de nada o coração sombrio

E entre as esperanças sentís frio
Sonhais em casto leito amor algoz
Chorais sem que ninguém escute a voz.

Doçura Noturna

Segredos de violão cortam o silêncio
Na penumbra, pétala doce murmura a rosa
O amor carnal compõe a voz da mariposa
Assim como floresce o cálice de incenso.

Sagra um soneto de murmúrio o senso
Da guitarra mulher reverberando, ousa
Compor de lua e amor à voz mimosa
Castelo de delírios sobre o tempo penso.

Em fofas sombras canta a celeste lira
Um hino de escultura que delira
Nos reposteiros do luar das cordas

Ela transfigura a dor da criatura
Em suave bálsamo que amor suspira
E assim impõe um lírio às carnais hordas.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Soneto da Antítese

Prezados sonhos de Don Juan sonhei na treva
Entre a dor pungente do abismo que neva
E a gula devassa das musas do lupanar
Cujo anseio nu de amor espancava o luar.

Um tempo horrendo de desejos a flutuar
Enquanto a aurora era dor a se assombrar
E o ócio noturno, temperando com versos
Gelava unilateralmente os lírios dos universos.

Hoje as manhãs são confidenciais ternas
Vozes do ermo em solidões eternas
Propõe amores ao umbigo e leis

Suavizadas em estâncias ermas
Nada de dores e mortes enfermas
Júbilos dos sóis e poentes de reis.

Compensação

Para consolar o cancro e afogar a dor
Eis que floresce a nobre lei do amor
Ela torna alto o que era degredo
Esculpe uma sonata de veludo no enredo

Nada mais grato à gula do vivido
Nem mesmo o ouro lhe iguala o calor
O seu pudor expõe o céu a medo
Enquanto o reposteiro alberga azul segredo

Consola, balsamo santo, e equilibra
Toda essa esfera de pugilatos que vibra
Quando o ouro submete os homens maus

Acima da luta e sua adaga rubra
O amor amores celestes nos calibra
E doma o destino e o incerto caos.

O Tesouro Amoroso

Amor uma alvorada na rosa dos anos
Esculpe de cálido orvalho e gesto ardente
Cuja manhã entre lírios sorri inocente
Sobre o pego do fel e os rudes desenganos

Desenha gestos brandos em cálices maganos
Expõe de louros o verbo eloqüente
Inunda de delírios a carne suavemente
Compõe a fresca luz dos líricos arcanos

Que não nos falte sua dádiva candente
Sua mansão de afetos tão ufanos
E gozos entre noites de corcéis soberanos

Que é o primor supremo entre a gente
O amor, cujo verso de efluvio celeste
Rege a ventura dos destinos humanos

O Ouro Sedutor

Seduz-nos a pompa altiva do ouro
Cuja efusão confere a vida nobre apreço
Dos prazeres e das alegrias o endereço
É o bolso, digo-o sem nenhum desdouro.

O metal que liberta é o astro louro
O senhor que escraviza, cujo preço
Entre as belezas sorridentes reconheço
A estremecer o mais intimo foro.

Terrível desgraça do povo carcomido
Domador do destino, deus fundido
Forjado em papel, irrevogável sentença

A uns poucos abres asas infinitas
E prostras as humanidades aflitas
Alem dos ecos da inefável contingência.

Eflúvios Da Carne

A tua carne sorri luar de rosas
Propala a essência dos misteriosos
Hinos noturnos, mel de musselinosas
Urnas de harpas e oboés felinosos

Ao toque das orgíacas mariposas
Estremeço de hinos langorosos
Tu és cardume de alegrias, ousas
Despertar os tigres da paixão ruidosos

A carne sabe todo luar que emana
Do perfume do olhar a altiva chama
Guarda os notívagos becos enluarados

Em tua boca, em tua pele, em tuas ancas
Cantam as alvas das luxúrias francas
Dançam os líricos êxtases sagrados.

Alvorada Sentimental

Uma alvorada de sutís carinhos
Pelos poros da emoção surge cantando
Como uma opala a constelar os ninhos
Dos afetos liriais que vem chamando.

É toda a festa e glória dos arminhos
Toda ternura do momento brando
A pomba sensual que doura caminhos
E vai os astros em harmonia sofejando.

Descem os astros do firmamento, altivos
Expõe a franca glória dos teus beijos
Em harpejos de estremecimentos vivos

E a esfera toda se comove em rumorejos
Ecos de musa e hábeis jograis lascivos
Em prestativos bardos de aconchegos.

Noite Transfigurada

Na frescura lirial da noite enluarada
Soa dos ledos amantes a ardente alvorada
Todo o palácio se converte em alta festa
Que as orgias dos amores sacros manifesta.

Cantam as pombas da luxúria consagrada
Aos pardais dos afetos tesos da morada
Um hino cujo lírico esplendor manifesta
O céu de gozo que o celeste amor atesta.

Noturnidades de anjos e de lírios
Opalas doces pelos parques dos delírios
Aves, que o coração torna sedentas.

Dos astros soam nas leis celestiais
Vão transfigurando os êxtases carnais
Em carnavais auroras tesas, lentas.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Eflúvios do Amor

Todo um eflúvio de altas preces canta
Embalsamando o lírio de amor da garganta
Toda aurora noturna em ecos vai raiando
As orgias festivas dos amores constelando.

Doma o destino e perfaz o fado
O amor entre pares de luz festejado
O doce amor meigo, celeste, terno
Que vai bater aos umbrais do eterno.

O misterioso elo que une tantos entes
No vórtice caudaloso das nascentes
Vai em sacros ritos deflorando a esfera

Harmonia de amor erra de era em era
Compõe os buquês da formosa terra
E as lavas de luz das líricas torrentes.

O Sacerdócio do Bardo

Na calma vaga noturna se inquieta
A liríada, consagrada festa do poeta,
Ele convida os djins a bailar brando
Os amores nobres das esferas consagrando.

Ele abençoa as altas flamas seletas
Que apaziguam os ardores dos ascetas
Em sua voz nascem ecos de luas
Ecos de musas festejadas, nuas.

Voa, esculpe ao mundo estátua bela
Despreza os uivos da louca procela
E as perdas todas da existência incerta

Ele navega o barco santo das esferas
Ele soluça a aflição trágica das eras
Ele é o sacerdote, o inspirado poeta.

Consolações

Paz e arte: desdobra as rútilas asas
Voa acima do abismo-caos da existência;
Luta o mortal para domesticar o tempo
O pêndulo, cujo compasso exclama: “Agora
Hás de contorcer-te para encobrir o vazio
Do momento”.

Poema Filosófico

O desespero da morte no desespero da vida
Morrer e findar, sem rastro e sem continuidade.
Transformar-se em nulidade absoluta debaixo
Do escuro e fatal beco da cova, ah! Esse
Desespero é terrível, perante o desespero
De ser pobre e estar limitado pela pobreza
Ou ser rico e mesmo assim estar preso,
Perante as múltiplas formas de desespero
Da vida; é perante essa dura realidade
Que mentimos, acalentando risonhas esperanças,
Esperanças de ganhar na loteria, de ser amado
De encontrar a felicidade ou a glória dourada,
De cobrir-se de honras ou saciar-se de poder
Mais ai! Somos todos demasiadamente mesquinhos.
Queremos receber, mas raras vezes nos alegra dar
Vivemos regateando nossos dons orgulhosos
Como se fossemos bons demais para esse mundo
De borra, para esse mundo infeliz que não
Nos entende, não nos ama justamente, não
Oferece seus ouros e louros ao sagrado esforço.
Acalentamos esperanças que consolam, abrandando
O cerne do tempo que habitamos; não somos
Afinal bons demais para os outros, esses infernos?
São múltiplas as fomes insaciadas
Quem quisera conviver encontra o gelo
Quem quiser voar, o limite o fere
E há germes cruéis, miséria mais densa
Fomes mais cruentas, corações urrando
Lobos ferozes a devorar fetos de presas
Enquanto a maldade reclama o poderoso
Poucos são os que ousam saudar o dia
De coração puro e consciência acesa
E clamar: leva-me, rico caudal e harmonioso!
Antes queremos domar a indomável vida
Oh vida! Oh fera! Clamamos, tantas vezes
Fechados a partilhação dos múltiplos dons.
Antes, que a vida nos leve e assome
Sua florescência por todos os recessos do ser.
Louvar generosa e ilimitadamente a vida
Em comunhão, perante o extenso flagelo
Da morte: eis o meu secreto desejo.

domingo, 30 de março de 2008

Vênus Agraciada

Uma vez achadas as fontes
Pôs-se o rio a correr
Ao êxtase carnal as belas frontes
Aos elos recônditos o coração do ser

Assim, belos amantes descuidados
Sejamos sempre em pontes infinitas
Para a glória serena dos achados
Como ao consolo alto dos aflitos

E breve se verá naturalmente
Onde deságua a graça desses rios:
Canções carnais e êxtases celestes,
Hinos da terra, ledos e fugidios

E outros, desnudos de tredas vestes
Indo ao Arno revelar a transcendência
Amores que tem das auroras o estado
E dos anjos a sereníssima aparência

Pois a Vênus apraz o vivedor devoto
Sem ânsia e sem tremor, destes amores,
Tal da ciência de amor o manso voto
Na variedade multiamor das flores.

06/09/1999

quinta-feira, 20 de março de 2008

Contemplação das Imagens

Seria um fato claro ou tredo engano
Esse cortejo de sombras a incitar o poeta?
Abismal segredo encerra o lance humano
E no ouro ou no amor põe o mortal a meta.

Visões, amplas musas da inteligência seleta!
A vós evoco já, em gesto altivo, soberano,
Vinde desvendar o vosso celeste arcano
Na lira sonora que ecos seus marcheta.

O bardo ardente, convulso, emocionado
De receber o vosso abismal segredo
Se desfaz de enleio por vós, apaixonado.

Se a terra é engodo e a esfera um degredo
Ou se é verdade todo o mundo bordado
Tornai patente ao bardo no imortal folguedo.

O Vozerio Carnal

O vozerio carnal, rude, inclemente
Com grita voraz, tolda-nos o alto Arno
Ígnea canção do regateante fauno
Vende ao desejo o nobre e o inocente.

É toda prece do prazer rangente
O caldal da volúpia, o doudo afago
Da lascívia ancestral em gozo mago
Que vai tecendo o capro alegremente

Que assim trona o prazer doce e fluente.
E unidos no desejo audaz, secreto
Os entes rodopiam no êxtase concreto

Vão espasmando no delírio lento
Até que se esqueça do celeste ideal
Em convulsa lama o ser mortal.

O Ângelus da Felicidade

O templo vasto sagra a todo instante
Seu nobre Ângelus de safira e diamante
Os homens correm afoitos atráz da miragem
Mal gozam sôfregos a acolhedora estalagem.

Amantes do excelente e devotos da carnagem
Embala-os um cântico voraz, selvagem
A turba ignora o refrão transcendente
E vagamente sonha o verbo eternamente.

O melhor, o nobre, que contém felicidade
Não é buscado senão com libertinagem
E o puro afã boia de um sonho virgem.

O templo espelha a azul imensidade
Mas o mortal só quer na ansiedade
Gozar a festa vil em meio à vadiagem.

Bálsamo Sereno

Vozes suaves dos êxtases serenos
Surdinas de luz da natureza em festa
Paz primordial que o grande bem atesta
Dos carinhos de delírios supremos.

Ergue as asas aos líricos e extremos
Vinhos imortais do sol, alta luz mestra
Que os infinitos calmos e mansos amestra
E põe um lago nos corcéis terrenos.

Em meio à desventura e a desdita
Na luta imensa, convulcionada, aflita
Do pego dos desejos em tremenda guerra

A natureza é o albergue cuja dita
Consola a dor e a mágoa infinita
E acalma a ânsia que nas veias erra.

Canção dos Gestos

Vi duas sombras pálidas
E irmãs: o amor e o desejo
Se correr elas fogem
Se cruzar os braços elas vêm

Mas que dura sombra
me perssegue e alcança
Quando o ânimo cansa
a tristeza

Mas que incógnita moça
cheia de dor e promessa
cruza os braços e me espera
a morte

Vi duas sombras pálidas
que se fizeram ardentes
cruza os braços a tristeza
me persegue a morte

Estou feliz, cruzo os braços
E o amor mais sol
E o desejo mais penumbra
E a tarde mais tristeza... doce
E mais promessa a morte.